"Nunca é oportuno falar de nós próprios. Penso muitas vezes que adiamos continuamente as nossas contas com a própria vida; adiamos o nosso retrato, e só raramente damos uma pincelada mais, em geral para nos embelezarmos e mentirmos um pouco mais. Penso que recordar é mentir com sentimento. Excepto agir, tudo é mentir mais ou menos cegamente. O que fazemos é construir um claustro em volta desse jardim abandonado que é a infância de cada um. Um claustro onde andamos cautelosamente e sem fazer barulho, dando boa impressão de nós próprios e das nossas intenções.Isto leva-nos a uma pergunta inquietante: o que é uma obra literária? É a maneira de ocuparmos esse espaço das nossas trevas com uma espécie de princípio ético que se chama talento. O facto de o talento estar ligado à liberdade não o desculpa; ele é um princípio das trevas e joga com factores demoníacos."
Agustina Bessa-Luís, Contemplação Carinhosa da Angústia, 2ª edição, Lisboa: Guimarães Editora, 2000, p. 162.
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