Wednesday, October 30, 2013

VIVOS



"Estou rodeado de mortes
Defuntos caminham comigo na saída do cinema.
São muitos, 
                  sinto a presença ativa das magnólias 
queimando em seu próprio aroma.

Os mortos acomodam-se a meu lado
como numa fotografia. 
Ajeitam o paletó, a gola da blusa
e parecem alegres. 

São gente amiga
com saudade de mim
(suponho)
e que voltam de momentos imensamente vividos. 
Tentam falar e falta-lhes a voz, 
tentam abraçar-me
e os braços se diluem no abraço. 
Fitam-me nos olhos cheios de afeto. 

Ah quanto tempo perdemos, 
quanta desnecessária discórdia, 
penso pensar. 

É isto que me parecem dizer seus esplendentes rostos
neste entardecer de janeiro."


Ferreira Gullar, Em Alguma Parte Alguma, Lisboa: Ulisseia/Babel, 2010, p. 52. 

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