Thursday, May 29, 2014

VIRGO


"E de novo a ave que era o seu coração afundou-se e pareceu morrer. Distraidamente, como que num sonho, recebeu dele a chávena de café. Estava consciente apenas da sua silenciosa figura, sentada ali em cima do tronco, como se fosse uma sombra, com uma chávena de esmalte nas mãos, bebendo o café em silêncio. A vontade fugira-lhe das pernas, ele tinha poder sobre ela: a sombra dele estava nela. 
O cigano, enquanto soprava o café quente, tinha consciência apenas de uma coisa, do misterioso fruto da sua virgindade, a perfeita candura do seu corpo. 
Acabou por pousar a chávena de café junto do fogo e por se virar para olhar a Yvette. O seu cabelo caía-lhe sobre a face, enquanto tentava beber da chávena quente. No seu rosto havia aquela terna aparência de sono, que tem a flor adormecia quando se abre por completo e, ela, como uma misteriosa flor temporã, estava inteiramente desabrochada, como uma flor branca que abre as suas três pétalas como asas, para um voo no sonhar acordado da sua breve florescência. O sonhar acordado da sua virgindade totalmente desabrochada, fascinante como uma branca flor brilhando ao sol, caíra sobre ela."

D. H. Lawrence, A Virgem e o Cigano, trad. Manuel Cordeiro, Lisboa: Círculo de Leitores, 1988, p. 86. 

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