Thursday, November 13, 2014

OCASO (em memória de Manoel de Barros)



"Venho de um Cuiabá garimpo e de ruelas entortadas. 
Meu pai teve uma venda de bananas no Beco da 
     Marinha, onde nasci. 
Me criei no Pantanal de Corumbá, entre bichos do
     chão, pessoas humildes, aves, árvores e rios. 
Aprecio viver em lugares decadentes por gosto de
     estar entre pedras e lagartos. 
Fazer o desprezível ser prezado é coisa que me apraz. 
Já publiquei 10 livros de poesia; ao publicá-los me
    sinto como que desonrado e fujo para o
    Pantanal onde sou abençoado a garças. 
Me procurei a vida inteira e não me achei - pelo
    que fui salvo. 
Descobri que todos os caminhos levam à ignorância. 
Não fui para a sarjeta porque herdei uma fazenda de
    gado. Os bois me recriam. 
Agora eu sou tão ocaso!
Estou na categoria de sofrer do moral, porque só
    faço coisas inúteis. 
No meu morrer tem uma dor de árvore."


Manoel de Barros, O Encantador de Palavras, Vila Nova de Famalicão: Quasi Edições, 2000, p. 43. 

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