"Uma tarde, ao voltar, perguntou-me ansiosamente:
- Deus existe ou não? Que dizes a isso, patrão? E se ele existe, tudo é possível, como o imaginas?
Eu encolhi os ombros sem responder.
- Eu... Não te rias, patrão. Imagino Deus igual a mim. Só que maior, mais forte, mais maníaco. E, evidentemente, imortal. Está sentado confortavelmente em peles de carneiro bem macias e a sua cabana é o céu. Não é de bidões de gasolina como a nossa, mas de nuvens. Tem na mão direita, não um gládio ou uma balança - esses instrumentos são para os magarefes e os merceeiros -, mas sim uma grande esponja cheia de água, como uma nuvem de chuva. À direita é o Paraíso, à esquerda é i Inferno. Quando uma alma se apresenta pobrezinha, toda nua, pois perdeu o corpo, tiritando de frio, Deus olha para ela rindo-se por detrás das barbas, mas faz de papão: «Anda cá - diz ele, engrossando a voz -, anda cá, maldita! E começa o interrogatório. A alma atira-se aos pés de Deus.«Perdoa-me! - brada-lhe ela -, perdoa-me!» E começa a contar os seus pecados. Já contou uma ladainha deles e não há meio de acabar. Deus está farto daquilo. Boceja. «Cala-se lá - grita-lhe -, dás-me cabo da cabeça!» E zás! Com um movimento de esponja apaga os pecados todos, «Fora, sai daqui, cava para o Paraíso! - diz-lhe ele - Pedro, deixa entrar essa também, coitadinha!
Porque tu deves sabê-lo, patrão, Deus é um grande senhor e a nobreza está nisso: perdoar!"
Nikos Kazantzakis, Zorba, o Grego, trad. Fernando Soares, Lisboa: Ulisseia, s.d., pp. 108-109.