Saturday, December 31, 2016

CODA



"
4

Enfim! Oh, que bela letra,
Que a qualquer cruz dá alívio!
Quando furada é a pedra, 
Corre, enfim, bálsamo vivo. 
Ouve, pois, meu coração:
O enfim vem, queiras ou não!"


Benjamin Schmolck, in O Cardo e a Rosa - Poesia do Barroco Alemão, trad. João Barrento, Lisboa: Assírio & Alvim, 2002, p. 23. 

DEGRAUS


"
3

Enfim, Canaã defronte, 
Depois do jugo de Egipto.
Enfim, Tabor, e já o Monte
Das Oliveiras vencido. 
Enfim pode entrar Jacob 
Onde não há Esaú."


Benjamin Schmolck, in O Cardo e a Rosa - Poesia do Barroco Alemão, trad. João Barrento, Lisboa: Assírio & Alvim, 2002, pp. 21; 23. 

O QUE É MELHOR É O FIM


"1

Enfim, enfim, já é tempo
De às aflições um fim dar. 
Enfim, acaba o tormento, 
Enfim se vão dor, pesar, 
Enfim, dos males a pedra
Em ouro será convertida.

2

Enfim, há rosas a abrir, 
Enfim, ermos se abrirão, 
Enfim, para a pátria rever
Já se prepara o bordão. 
Enfim, do pranto a semente
Dará fruto, alegremente."


Benjamin Schmolck, in O Cardo e a Rosa - Poesia do Barroco Alemão, trad. João Barrento, Lisboa: Assírio & Alvim, 2002, p. 21. 

TAREFA



"O mundo visível. Construí-lo a partir da luz e das trevas. Ou destrui-lo na luz e nas trevas. É essa a tarefa, pois o mundo visível, que consideramos uma unidade, é construído na forma mais agradável a partir destes dois princípios."


Goethe, "Physikalische Vorträge", in Alexander Roob, Alquimia & Misticismo, trad. Teresa Curvelo, Taschen, 2015, p. 231. 

Friday, December 30, 2016

SÃO CORAÇÃO


"E foi aqui que o cronista diz ter-se iniciado o romance com a rainha. Andeiro alojou-se no castelo de Estremoz, nos aposentos onde Fernando e Leonor costumavam dormir a sesta, para que o rei pudesse com ele falar de dia sem que ninguém notasse a sua presença. Leonor assistia a estas conversas e, às vezes, ficava a sós com o galego, se acontecia Fernando sair, depois de descansar. O rei não desconfiava desses encontros, pois era «homem de são coração», mas o hábito e o gosto por estas tertúlias fez nascer ente o diplomata e a rainha uma afeição grande."

Isabel de Pina Baleiras, Uma Rainha Inesperada - Leonor Teles, Lisboa: Temas e Debates, 2013, p. 210. 

FABRICANTE


"O que me faz diferente
(além, está bem de ver, do exoesqueleto)
é talvez não ter alma interior;
uma coisa qualquer sobrevivente
que me faça durar, ainda que seja
na forma inferior de ectoplasma
ou no fátuo rumor da borboleta. 
É breve a vida; mal sabemos
fiar um fio, e conceber a seda, 
já se gastou a areia na ampulheta;
a frágil obra que fizemos, fica
aberta ao vento, à chuva, ao descuidado
ofício da coruja e da serpente. 
E como é escura a noite, só rasgada
pelo grito tenaz dos predadores; 
ou, quando iluminada, é pelo fogo
que devasta os casulos e envenena
o jovem mel guardado nas colmeias. 
À falta de melhor, antes prefiro
que ande lá fora, a pouca e perecível
alma que tenho; e se misture
tão bem a cada instante, que apeteça 
vivê-lo eternamente; porque o tempo
é, como eu, um mero fabricante
de véus e teias que os humanos rasgam
sem sentir como nelas estão presos."


António Franco Alexandre, Aracne, Lisboa: Assírio & Alvim, 2004, pp. 36-37. 

Thursday, December 29, 2016

GRECO



" - Amanhã! - respondi eu. - Amanhã! - exclamou Mafalda - Pois sim, meu Afonso, amanhã... Temos lá as nossas árvores... a nossa infância...
- A nossa felicidade sem fim... - atalhei eu."

Camilo Castelo Branco, Amor de Salvação, Porto: Livraria Chadron, s.d., p. 208. 

Sunday, December 25, 2016

LEITURAS


"Velejei num barquinho rio acima, e aproei à ribanceira, donde se avistava o arruinado e já em parte desfigurado conventinho de extintos franciscanos. À sombra dum arco manuelino, que havia sido a portaria do arrasado templo, meditei nos frades, no convento, no refúgio dos desamparados do mundo, nas lápides profanadas que mãos ímpias arrancaram de sobre as cinzas de muitos corações, extintos com o segredo de sublimes torturas. Meditei, e maldisse a civilização, que fechara os áditos da paz quando a guerra sacudia as suas serpes mais inexorável; maldisse a ilustração, que aluira a enfermaria dos empestados do vício, quando a peste ardia mais devoradora. A minha angústia era imensa, porque não podia dispensar-me de Deus, e dos homens, que apontavam o caminho do melhor mundo." 

Camilo Castelo Branco, Amor de Salvação, Porto: Livraria Chadron, s.d., p. 76. 

Saturday, December 24, 2016

INSTANTÂNEO



"Chegando ao presépio, enfim, 
caem de rojo, os pastores,
vendo o herdeiro d'Eloim
que veste os lírios e as flores. 

Dão-lhe pombas gloriosas, 
meigos, tenros animais.
- Mas, vendo coisas radiosas, 
casos vindouros, fatais...

Abria o deus das crianças
uns olhos profundos, graves, 
no meio das pombas mansas
- nas palpitações das aves."


Gomes Leal, História de Jesus, ed. José Carlos Seabra Pereira, Lisboa: Assírio & Alvim, 1998, p. 66. 

EM BOUÇAS


"Estava claro o céu, tépido o ar, e as bouças e montes floridos. O mês era dezembro, de 1863, em véspera de Natal. 
A gente das cidades pergunta-me em que país do mundo florescem, em dezembro, bouças e montados."

Camilo Castelo Branco, Amor de Salvação, Porto: Livraria Chadron, s.d., p. 1. 

FIRMAMENTO



"Le firmament dans son immense ornement raconte la gloire de Dieu."


Paul Claudel, Bréviaire Poétique, Paris: Gallimard, 1999, p. 67. 

Friday, December 23, 2016

DIÁFANO



"A gente não sabe ainda bem como este mundo está feito."


Camilo Castelo Branco, Amor de Salvação, Porto: Livraria Chadron, s.d., p. 41. 

Thursday, December 22, 2016

ONDE A LUZ



"Onde a luz o tesouro onde o secreto alento
Consegue romper das complicações da noite
Ali
Um pássaro cruza sem dificuldade
O ar para nós tão pesado"


Alberto de Lacerda, Oferenda - I, Lisboa: IN-CM, 1984, p. 386. 

Wednesday, December 21, 2016

ANIVERSÁRIO


"O absurdo máximo é viver e morrer! Ser e não ser! A vida é um sim que significa - não! O homem exclama: sim! Os ecos respondem-lhe: não!"

Teixeira de Pascoaes, O Bailado, Lisboa: Assírio & Alvim, 1987, p. 29. 

Tuesday, December 20, 2016

APODERAR-SE



"Toda a forma apodera-se, só por uns instantes, do mesmo ser; prossegue através de cada um e, depois, abandona-o. A minha alma não se agarra a nenhum pensamento. Atira cada pensamento para o vento do mar alto, que o toma; nunca o levarás por ti mesmo aos céus."

André Gide, Os Frutos da Terra, trad. Carlos Correia Monteiro de Oliveira, Porto: Âmbar, 2007, p. 56. 

Monday, December 19, 2016

ESCAPA



"Mobilidade das vagas, tornaste meu pensamento tão cambaleante! Não edificarás nada sobre a onda. Ela escapa a qualquer peso."

André Gide, Os Frutos da Terra, trad. Carlos Correia Monteiro de Oliveira, Porto: Âmbar, 2007, p. 56. 

Sunday, December 18, 2016

AS PERTURBAÇÕES


"Porque às perturbações da memória estão ligadas as intermitências do coração. É sem dúvida a existência do nosso corpo, semelhante para nós a um vaso onde estivesse encerrada a nossa espiritualidade, que nos induz a supor que todos os nossos bens interiores, as nossas alegrias passadas, todas as nossas dores estão permanentemente na nossa posse. Talvez seja inexato acreditar que elas se escapam ou que regressam. Em todo o caso, se permanecem em nós, ficam a maioria das vezes confinadas a um domínio desconhecido onde não nos servem para nada e onde, até. as mais usuais são recalcadas por recordações de ordem diferente e que excluem todas a simultaneidade com elas na consciência. Mas, se o quadro de sensações onde se conservam for retomado, têm por sua aquele mesmo poder de expulsar tudo o que com elas for incompatível, de instalar em nós, sozinho, o eu que as viveu."

 Marcel Proust, Em Busca do Tempo Perdido - Sodoma e Gomorra, trad. Pedro Tamen, Lisboa: Círculo de Leitores, 2003, p. 165. 

Saturday, December 17, 2016

MATA



"Sob a mata de cabelo, 
tua fronte:
                caramanchão,
claridade entre ramos.
Penso em jardins:
ser vento que te renova memórias, 
ser sol que abra caminhos em tua espessura."


Octavio Paz, Árvore Adentro, trad. Luís Alves da Costa, Lisboa: Vega, 1994, p. 119. 

Friday, December 16, 2016

RÓSEO



"Há estranhas possibilidades em cada homem. O presente estaria cheio de todos os futuros, se já o passado não projectasse sobre ele uma história. Mas, infelizmente, um único passado propõe um único futuro - projeta-o diante de nós como um ponto infinito sobre o espaço."

André Gide, Os Frutos da Terra, trad. Carlos Correia Monteiro de Oliveira, Porto: Âmbar, 2007, p. 23. 

Thursday, December 15, 2016

ANÁLISE


"
91.
1 Eles disseram-lhe:
2 Diz-nos quem és. 
3 para que acreditemos em ti. 
4 Ele disse-lhes:
5 Analisais a face do céu e da terra, 
6 mas o que está diante de vós, 
7 não o conheceis
8 e não sabeis analisar o momento presente."


O Evangelho Segundo Tomé, trad. Cristina Proença, rev. José Augusto Martins Ramos, 2ª ed., Lisboa: Estampa, 2001, p. 79. 

Wednesday, December 14, 2016

SUPERFÍCIES CIDADÃS



"Sobre superfícies cidadãs, 
desfolhadas folhas de dias, 
sobre muros desolados, traças
signos carvões, números de chamas. 
Escrita indelével do incêndio, 
de testamentos e profecias
volvidos taciturnos esplendores. 
Encarnações, desencarnações:
tua pintura é o manto de Verónica
do Cristo sem rosto, chamado tempo."

Octavio Paz, Árvore Adentro, trad. Luís Alves da Costa, Lisboa: Vega, 1994, p. 85. 

Tuesday, December 13, 2016

BLINDNESS



"                  Entre o antes e depois, 
parêntesis de pedra, 
serei, por um instante sem regresso, 
primeiro homem, e serei o último. 
E, ao dizê-lo, o instante
- intangível, impalpável - 
sob os pés se abre, 
e sobre mim se encerra, o puro tempo."

Octavio Paz, Árvore Adentro, trad. Luís Alves da Costa, Lisboa: Vega, 1994, p. 67. 

Monday, December 12, 2016

GOZO



"Que é o gozo, o prazer? fumo d'incenso
Que embriaga um momento, e se evapora;
Que é o saber, a ciência? espaço imenso
Em que a verdade mal reluz na aurora."


Soares de Passos, Poesias, 11ª ed., Porto: Lello & Irmão, 1967, p. 178. 

Saturday, December 10, 2016

BELLE ÉPOQUE



"No entanto, Oriane, ora veja justamente o seu cunhado Palamède, de quem estava a falar; não há amante que tenha a aspiração a ser chorada como foi aquela pobre senhora de Charlus. 
- Ah - respondeu a duquesa -, permita-me Vossa Alteza que não esteja totalmente de acordo. Nem toda a gente gosta de ser chorada da mesma maneira, cada um tem as suas preferências. 
- Enfim, ele dedicou-lhe um verdadeiro culto desde que ela morreu. É verdade que às vezes fazemos pelos mortos coisas que não faríamos pelos vivos. 
- Primeiro - respondeu a senhora de Guermantes num tom sonhador que contrastava com a sua intenção zombeteira -, vamos ao enterro deles, coisa que nunca fizemos com os vivos!"


 Marcel Proust, Em Busca do Tempo Perdido - O Lado de Guermantes, trad. Pedro Tamen, Lisboa: Círculo de Leitores, 2003, pp. 508-509. 

Friday, December 9, 2016

PESAR SECRETO



"Tudo é triste! e o seio triste
Comprime-se a este aspecto;
Não sei que pesar secreto
Nos enluta o coração. 
E que nos lembra o passado
Cheio de viço e frescura, 
E o presente sem verdura
Como a folhagem do chão."


Soares de Passos, Poesias, 11ª ed., Porto: Lello & Irmão, 1967, p. 9. 

Thursday, December 8, 2016

AO DIVINO CESARINY



"Apresentar-te aos deuses e deixar-te 
entre sombra de pedra e golpe de asa
exaltar-te    perder-te    desconfiar-te
seguir-te de helicóptero até casa

dizer-te que te amo  amo  amo
que por ti passo raias e fronteiras
que não me chamo mário que me chamo
uma coisa que tens nas algibeiras

lançar a bomba onde vens no retrato
de dez anos de anjinho nacional
e nove de colégio     terceiro acto

pôr-te na posição sexual
tirar-te todo o bem e todo o mal
esquecer-me de ti como do gato"


Mário Cesariny, Pena Capital, 2ª ed., Lisboa: Assírio & Alvim, 1999, p. 158. 

Wednesday, December 7, 2016

PENDULAR



"Estava emparedado no âmago de um sonho. 
Não tinham seus muros peso
nem consistência: seu vazio era seu peso.
Os muros eram horas, e as horas
fixas e acumulada tristeza. 
O tempo de essas horas não era tempo."


Octavio Paz, Árvore Adentro, trad. Luís Alves da Costa, Lisboa: Vega, 1994, p.  64. 

Monday, December 5, 2016

AO DIVINO FERREIRA GULLAR



"A morte não tem avenidas iluminadas
não tem caixas de som atordoantes
tráfego engarrafado
            não tem praias
            não tem bundas
não tem telefonemas que não vêm nunca

         a morte
         não tem culpas
         nem remorsos
         nem perdas
                           não tem
lembranças doídas de mortos
nem festas de aniversário

                                        a morte
não tem falta de sentido
não tem vontade de morrer
não tem desejos
          aflições
          o vazio vazio da vida

a morte não tem falta de nada
não tem nada
é nada
           a paz do nada"

Ferreira Gullar, Em Alguma Parte Alguma, Lisboa: Ulisseia/Babel, 2010, p. 60. 

Sunday, December 4, 2016

VARIÁVEL



"A nossa alma é paisagem, céu e terra, mas uma paisagem variável. Ora é um píncaro desnudo, com um lobo a uivar à lua; ora é um vale sombrio, com águas estagnadas ou geladas; ora é um deserto sem oásis, como é um oásis sem deserto. O vento comeu-lhe a areia toda... Deixou-lhe uma fonte quimérica, entre quiméricas palmeiras."


Teixeira de Pascoaes, Uma Fábula (O advogado e o poeta), Porto: Brasília Editora, 1978, p. 96. 

Saturday, December 3, 2016

HORAS


"Idealizar as horas é a ambição das vítimas sacrificadas a essas deusas que bailam, em volta do sol. Se as horas doiradas e alígeras nos produzem uma espécie de embriaguez, as horas mortas de luar amortalham-nos em lívido silêncio. Imitamos o nosso espectro, essa ideia imaginada, ou feita imagem que, em vida, temos nós, na morte."

Teixeira de Pascoaes, Uma Fábula (O advogado e o poeta), Porto: Brasília Editora, 1978, p. 9. 

Thursday, December 1, 2016

MÁXIMA


"Os povos felizes não têm história? Que sorte para as crianças que não têm de aprender e para os homens que não perdem tempo a esquecê-la!"

André Brun, Cada vez pior, 3ª ed., Lisboa: Casa do Livro Editora, 1941, p. 140.