"Porque às perturbações da memória estão ligadas as intermitências do coração. É sem dúvida a existência do nosso corpo, semelhante para nós a um vaso onde estivesse encerrada a nossa espiritualidade, que nos induz a supor que todos os nossos bens interiores, as nossas alegrias passadas, todas as nossas dores estão permanentemente na nossa posse. Talvez seja inexato acreditar que elas se escapam ou que regressam. Em todo o caso, se permanecem em nós, ficam a maioria das vezes confinadas a um domínio desconhecido onde não nos servem para nada e onde, até. as mais usuais são recalcadas por recordações de ordem diferente e que excluem todas a simultaneidade com elas na consciência. Mas, se o quadro de sensações onde se conservam for retomado, têm por sua aquele mesmo poder de expulsar tudo o que com elas for incompatível, de instalar em nós, sozinho, o eu que as viveu."
Marcel Proust, Em Busca do Tempo Perdido - Sodoma e Gomorra, trad. Pedro Tamen, Lisboa: Círculo de Leitores, 2003, p. 165.
No comments:
Post a Comment