"Pelo quarto, que empestava a fenol, viam-se moscas mortas. Oscar perguntou-me se eu queria ouvir um sermão ou se preferia que brincássemos aos enterros. No guarda-fato guardava um caixãozinho para bebé. Respondi-lhe que não acreditava em Deus, e então Oscar coçou a cabeça, assegurando-me ao mesmo tempo que a existência de Deus estava cientificamente provada, que o maior cientista do mundo era um russo chamado Einstein, e que esse Einstein tinha entrevisto o rosto de Deus nas suas fórmulas matemáticas. Disse-lhe que tão-pouco acreditava em histórias da carochinha e pouco depois estávamos zangados. Ele, que era mais forte do que eu, torceu-me o braço e exigiu que eu reconhecesse a existência de Deus. Senti dores, tive medo, mas não gritei por socorro porque era muito possível que ele fosse maluco, e eu sabia que os idiotas têm de levar avante a sua vontade, de contrário nunca se sabe o que pode acontecer. Apressei-me a dizer que sim, que acreditava que Deus existia."
Ingmar Bergman, Lanterna Mágica, trad. Alexandre Pastor, Lisboa: Relógio d'Água, 2012, p. 297.