Wednesday, September 28, 2011

MORIA 5, A PARTIR DE "O FILHO DE MIL HOMENS" DE vhm


"O susto de um homem importa mais que mil sustos de mulher.
A vizinha não reconfortava a Matilde em nada. Tinha uma sachola, se fosse com ela, arrancava a cabeça ao miúdo, metia-o num buraco grande no fundo do campo e depois de dois dias ia fazer de conta que alguém o levara para o Brasil. Dizia: andam aí a chegar brasileiros por todo o lado, devem fartar-se de roubar gente para trabalhar de graça como escravos. Se estiverem escravizados, também não pensam em mais nada. E se fizerem asneira, levam no lombo. Se forem uns porcos, abatem-nos e não os choram. A Matilde suspirava, lavava as roupas e as louças do Antonino e, de cada vez que uma faca lhe passava pelas mãos, pensava em mandá-lo embora antes que fosse tarde de mais. Um rapaz sem pai não tinha valentia. Que valesse ao menos para não envergonhar ninguém. Era uma coisa tão pouca de se fazer. Tão pouco de se esperar e pedir. Guardava as facas a tremer. Em cada faca nascia uma boca e todas as bocas diziam que o matasse. A Matilde, sozinha por casa, ouvia sempre o mesmo.
Contudo, como no ditado popular, quem não tem filhos cada dia mata cem, pensava a Matilde. Ter um filho feito, ainda que em grande nojo ali levantado, era muito outra coisa. Não era uma retórica. Dizer era muito fácil. Fazer ficava reservado para heróis e gente com grandes sortes."
valter hugo mãe, O filho de mil homens, Carnaxide: Editora Objectiva/Alfaguara, 2011, pp. 108-109.

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