"Cada dia que passa incorporo mais esta verdade, de que eles não vivem senão em nós
e por isso vivem tão pouco; tão intervalado; tão débil.
Fora de nós é que talvez deixaram de viver, para o que se chama tempo.
E essa eternidade negativa não nos desola.
Pouco e mal que eles vivam, dentro de nós, é vida não obstante,
E já não enfrentamos a morte, de sempre trazê-la connosco.
Mas, como estão longe, ao mesmo tempo que os nossos atuais habitantes
e nossos hóspedes e nossos tecidos e a circulação nossa!
A mais ténue forma exterior nos atinge.
O próximo existe. O pássaro existe.
E eles também existem, mas que oblíquos! e mesmo sorrindo, que disfarçados.
Há que renunciar a toda a procura.
Não os encontraríamos, ao encontrá-los.
Ter e não ter em nós um vaso sagrado,
um depósito, uma presença contínua,
esta é a nossa condição, enquanto,
sem condição, transitamos
e julgamos amar
e calamo-nos.
Ou talvez existamos somente neles, que são omissos, e nossa existência,
apenas uma forma impura de silêncio, que preferiam."
Carlos Drummond de Andrade, "A família que me dei", in Antologia Poética, 2ª edição, Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2002, pp. 91-92.
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