Saturday, April 21, 2012

SOBRENATURAL


"«- Amei-o muito, mas concedi-lhe pouco, meu pobre amigo - diz-lhe ela.
- Que me diz, Oliviana? Que me concedeu pouco? Deu-me tanto que era mais do que eu pedia e muito mais na verdade do que se os sentidos tivessem parte na nossa ternura. Sobrenatural como uma madona, terna como uma ama, adorei-a enquanto me embalava. Queria-lhe com uma afeição cuja sageza sensível nenhuma esperança de prazer carnal vinha desconcertar. Não me trazia em troca uma amizade incomparável, um chá delicioso, uma conversação naturalmente ornada e tantos ramos de rosas acabadas de colher? Só as suas mãos maternais e expressivas souberam refrescar a minha fronte a arder em febre, derramar mel nos meus lábios murchos, trazer à minha vida imagens nobres.
Amiga querida, dê-me as suas mãos, para lhas beijar...»"
Marcel Proust, Os Prazeres e os Dias, trad. Manuel João Gomes, 2ª ed., Lisboa: Editorial Estampa, 2010, pp. 24-25.

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