Friday, March 1, 2013

DEBRUÇAR


"Deitado na palha, nu como vim ao mundo, eu conheci a paz; o quarto estava escuro, era talvez a hora em que as mães embalam os filhos, soprando-lhes ternas fantasias; mas lá fora ainda era dia, era um fim de tarde cheio de brandura, era um céu tenro todo feito de um rosa dúbio e vagaroso; caí pensando nessa hora tranquila em que os rebanhos procuram o poço e os pássaros derradeiros buscam o seu pouso; e pensei também que eu poderia, se me debruçasse na janela, ver as nuvens esgarçadas se deslocando pacientemente como as barbas de um ancião, até que no céu uma suave concha escura apagasse o dia, cobrindo-se aos poucos de muitas mamas, para nutrir na madrugada meninos de pijama;"
Raduan Nassar, Lavoura Arcaica, Lisboa: Relógio D'Água, 1999, pp. 113-114.

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