Thursday, April 11, 2013

O MONUMENTO PERDE AS VESTES


"Visto de longe, do alto da colina, o parque parecia vazio
deixando apodrecer as sombras das árvores que a dor
clareava com as cores do crepúsculo. O mosteiro da Natureza
fora violado e dele só restava a planície frígida e muda.
O tempo deixara de existir: sugado pela voragem
do presente, abandonada a Natureza, prescindindo
na sua visita dos parcos vestígios com que a memória
da História entediada se enluta. Destruída, a esfinge
assiste à dança entusiástica das musas. Sobre as ruínas,
que sentido descobririam ainda para as formas que ali
encontraram devastadas e nuas? Teriam as pedras
sequer um destino? Para lá da corrosão da glória
que por dentro as fractura? A História, então,
aos olhos de quem a questiona, não passa
de um fóssil que a cicatriz da memória
pacientemente tatua. Escórias numa parede,
apagadas pela viscosidade dos moluscos.
A céu aberto, o monumento perde as vestes
e deixa-se estender-se a calote fúnebre. Porque
o sentimento, dizem-nos as estrelas, é o que resta
da alma depois de terem sido evacuados os túmulos."
  Fernando Guerreiro, Teoria da Revolução, Braga: Amgelus Novus, 2000, p. 19.

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