Friday, November 29, 2013

LAGO



"Junto às águas claras do lago Lychnidis, com o lodo do combate já assente, enguias e solhas limpavam os cadáveres que flutuavam à deriva. Os lírios esmagados adormeceram para voltar a florescer no ano seguinte; as acácias brancas caíram como neve com as primeiras brisas e esconderam o sangue. As viúvas choravam os seus mortos, os aleijados retomavam as suas antigas actividades, os órfãos a quem nunca nada faltara conheceram a fome. O povo inclinava-se perante o destino, como perante uma enfermidade do gado ou um granizo fora do tempo sacudindo as oliveiras. Todos, incluindo viúvas e órfãos, foram levar as suas oferendas de agradecimento aos santuários; os ilírios, famosos piratas e mercadores de escravos, podiam ter ganho. Os deuses, compadecidos com as suas ofertas, não lhes revelaram o conhecimento de que apenas haviam sido um meio e não um fim. Na dor, mais que na alegria, o homem aspira a saber que o universo gira em torno de si."

Mary Renault, Fogo do Céu, trad. Tomás Vaz da Silva, Lisboa: Assírio & Alvim, 1993, pp. 301-302. 

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