"Mas depressa o desejo de falar se torna mais forte e dá rédea solta à língua; fala com calor, apaixonadamente. O seu discurso é desordenado, febril, como em delírio; nem sempre se compreende o que diz; mas mesmo assim deixa perceber, pelas palavras e pela voz, qualquer coisa que denota extrema bondade. Quando fala, distinguem-se nele o louco e o homem. É difícil traduzir para o papel os seus desvarios. Fala da maldade humana, da violência que espezinha a justiça, da bela vida que com o andar dos tempos reinará sobre a Terra, das grades e das janelas, que a cada instante lhe recordam a obstinação e a crueldade dos opressores. Tudo é um caótico amontoado de coisas velhas mas não caducas."
Anton Tchekov, A Enfermaria Nº 6, trad. Maria Luísa Anahory, Lisboa: Editorial Verbo, 1972, p. 10.