Friday, March 22, 2019

OS DESEJOS



"Tenho a pedir-vos que não reutilizeis mais nada. 
Este edifício junto à praia, deixai-o
entregue à ruína, 
às folhas de milho, 
ao ar salgado. 

Que as crianças possam tropeçar nas lajes soltas
e no átrio ecoe, como uma pedreira, 
o desejo de muitas mãos. 

Deixai dormir as mariposas dentro de lâmpadas partidas
e as formigas engrossarem pelos cantos
como sal. 

Não inventeis mais nada, 
nem formas eloquentes de evitar que o bronze oxide. 
Aceitai o suor do tempo. 

Que algumas coisas apodreçam. 
Que os elefantes atravessem a planície. 
Que as veias rebentem 
do esforço de permanecer em pé. 

E que nem tudo se sustente como a rosa
se sustenta de florir. 

Deixai, deixai os vários pisos incomunicáveis, 
o desvão ser cortejado pelo giz dos aviões. 
que a lua pouse ali aberto o crânio, 
que lhe bata o sol. 

Ainda são precisos templos
onde o pó seja gentil
e incensado
como os pés pela caruma dos pinhais."


Andreia C. Faria, Tão bela como qualquer rapaz, s.l.: Língua Morta, 2017, pp. 54-55. 

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