Tuesday, April 23, 2019

O QUE RESTA



"Viramo-nos todos para a Grécia e todos nós a consideramos, uns mais, outros menos, como nossa pátria. A Grécia não pertence a toda a gente. Não está inteiramente sobre o mar, como alguns imaginam: também possui montanhas, de píncaros nevados. O mar banha-lhe as costas, penetra nelas, mas não com a mesma profundidade em toda a parte, e nem sempre da mesma maneira. As praias e o mar são ainda como eram antigamente; as ilhas são as de outrora, as Cíclades e as Espórades, o mar Jónico e o mar Egeu, cada qual do seu lado; o céu continua a ter a mesma coloração. E, no entanto, o passado não regressa, nem se reproduz: a Grécia e a Grande Grécia separaram-se há muito, a Hélade e Bizâncio desuniram-se para sempre; Bizâncio e o Império do Oriente nunca mais se encontraram. Estas ruturas foram dolorosas e profundas, as perdas em terra aumentaram no mar: de cada vez, era sempre preciso perguntar o que restava do que antes existia. Os próprios gregos interrogavam se lhes restava algo com que continuar, ir em frente ou recomeçar. O destino do Mediterrâneo confunde-se assim com o da Grécia."

Pedrag Matvejevitch, Breviário Mediterrânico, trad. Pedro Tamen, Lisboa: Quetzal, 2019, p. 109. 

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