"E a pouco e pouco tomou consciência de que tudo tinha sido um sonho, um simples sonho, e nada mais. E essa ideia perseguia-o.
- Quando vêm os sonhos? - perguntou em voz alta.
E quando o Sr. von Kranz o veio ver à tarde, contou-lhe o seguinte:
- A vida é tão vasta e encerra, no entanto, tão poucas coisas, uma por eternidade. E essas esperas angustiam-nos e fatigam-nos. Quando eu era miúdo, fui uma vez a Itália. Fiquei apenas com uma vaga lembrança. Mas lá, no campo, quando se pergunta a um camponês que se encontre à beira da estrada: «A aldeia ainda é longe? - Un' mezz'ora» é a resposta. E o seguinte a mesma coisa e o terceiro igualmente, como se tivessem feito promessa. E caminha-se durante todo o dia e nunca se chega à aldeia. O mesmo acontece na vida. No sonho, tudo se encontra mais próximo. Não temos medo. No fundo, nós somos feitos para sonhar, não possuímos os órgãos necessários à vida, somos uma espécie de peixes que pretende voar a todo o custo."
Rainer Maria Rilke, "Ewald Tragy", in Histórias do Bom Deus e outros textos, trad. Maria Gabriela Cardote, Lisboa: Livros do Brasil, 1989, p. 152.