Friday, April 30, 2010

BALANÇO MENSAL 04



"Dans le vieux parc solitaire et glacé
Deux formes ont tout à l'heure passé.

Leurs yeux sont morts et leurs lèvres sont molles,
Et l'on entend à peine leurs paroles.

Dans le vieux parc solitaire et glacé
Deux spectres ont évoqué le passé.

- Te souvient-il de notre extase ancienne?
- Pourquoi voulez-vous donc qu'il m'en souvienne?

- Ton coeur bat-il toujours à mon seul nom?
Toujours vois-tu mon âme en rêve? - Non.

- Ah! les beaux jours de bonheur indicible
Où nous joignions nos bouches! C'est possible.

- Qu'il était bleu, le ciel, et grand, l'espoir!
- L'espoir a fui, vaincu, vers le ciel noir.

Tels ils marchaient dans les avoines folles,
Et la nuit seule entendit leurs paroles."


Paul Verlaine, "Fêtes Galantes", in Oeuvres de Paul Verlaine, vol. I, Montréal: Éditions Bernard Valiquette, s.d., p. 102.

Wednesday, April 28, 2010

DA MORTE E DA LINGUAGEM



"O laço que une o significante ao significado é arbitrário, ou melhor, uma vez que entendemos por signo o total da associação de um significante a um significado: o signo linguístico é arbitrário. (...) O princípio da arbitrariedade do signo não é contestado por ninguém; mas é muitas vezes mais fácil descobrir uma verdade do que conceder-lhe o lugar que lhe compete. O princípio enunciado acima domina toda a linguística da língua; as suas consequências são inesgotáveis. É certo que nem todas aparecem com igual evidência a uma primeira abordagem; só as descobrimos depois de várias tentativas e só então alcançamos a importância primordial do princípio."


Ferdinand de Saussure, Curso de Linguística Geral, trad. José Victor Adragão, Lisboa:Publicações Dom Quixote, 1971, pp. 124-125.

Tuesday, April 27, 2010

LUGARES DO ESQUECIMENTO 4


"De boa vontade daria a vida
Por um lugar seguro e quente,
Não me guiasse a agulha aérea viva
Pelo mundo como a uma linha."


Arsenii Tarkovskii, «8 ícones», trad. Paulo da Costa Domingos, Lisboa: Assírio & Alvim, 1987, p. 29.

Monday, April 26, 2010

DAS VIRTUDES



"Com cinco anos era já muito viajada, conhecia o Sahara palmo a palmo. Tinha uma pequena máquina de costura, de manivela, que cosia de verdade. Costumava usá-la como objecto de sedução quando os amigos do meu irmão vinham brincar com ele. Eu mostrava-me na maior das virtudes domésticas, séria e segura do efeito que causava. Sabia já que a virtude é o melhor caminho para o poder. Ela enleia, corrompe mais do que o crime, descobre nos homens profundas aptidões de sacrifício e de gratidão. Ao desejo, os homens preferem a gratidão de não serem incomodados mesmo com o melhor dos pretextos, que é o pecado puro e simples. Com as mulheres tentadoras os homens são solícitos; com as virtuosas são agradecidos, que é um sentimento que dura uma vida."

Agustina Bessa-Luís, O Livro de Agustina Bessa-Luís, Lisboa: Guerra & Paz, 2007, pp. 75-76.

Sunday, April 25, 2010

PROLEPSES



"Sofri só de pensar como fora fugaz o sonho do intelecto humano. Suicidara-se. Estabelecera firmemente como mote o conforto e o bem-estar, uma sociedade equilibrada com segurança e estabilidade, atingira as suas metas - para, no fim, ter aquele desfecho. Em tempos, a vida e a propriedade devem ter alcançado a segurança quase absoluta. Os ricos viram garantida a sua riqueza e o seu conforto, o trabalhador garantida a sua vida e o seu trabalho. Sem dúvida, nesse mundo perfeito, não existira o problema do desemprego, nenhuma questão social ficara por resolver. E uma grande acalmia se seguira.
Existe uma lei da Natureza que ignoramos, que a versatilidade intelectual é a compensação pela mudança, o perigo, os problemas. Um animal em perfeita harmonia com o seu meio envolvente é um mecanismo perfeito. A Natureza nunca apela à inteligência senão quando o hábito e o instinto de tornam irrelevantes. Não existe inteligência onde não existir mudança sem a necessidade de mudança. Só os animais dotados de inteligência se vêem confrontados com uma enorme variedade de necessidade e de perigos."


H. G. Wells, A Máquina do Tempo, trad. Maria Georgina Segurado. Mem Martins: Publicações Europa-América, 2002, pp. 89-90.

Friday, April 23, 2010

SILVESTREM TENUI MUSAM MEDITARIS



"Não queiras, não perguntes, não esperes.
Isto que passa como vida e tu
medes em dias, horas e minutos,
ou como tempo passa e vais medindo
em rugas e lembranças e em sombrias
e plácidas visões de coisa alguma,
às vezes sorridentes, mas sombrias;
sim: isto, a que dás nomes, que separas
do resto em que surgiu, de que surgiu;
isto, que já não queres, não interrogas,
de que já nada esperas, mas que queres,
por que perguntas sempre, e por que esperas;
isto, que não és tu, nem vai contigo,
nem fica quando vais; em que não pensas,
porque ao medir apenas medes e
nada fazes mais que medir - só isto,
apenas isto, isto unicamente:
não queiras, não perguntes, não esperes,
que o pouco ou muito é tudo o que te resta."


Jorge de Sena, Fidelidade, in Poesia III, Lisboa: Edições 70, pp. 45-46.

Wednesday, April 21, 2010

O DEUS DOS TELHADOS



"Na realidade, a obra de arte precisa de ser vivida profundamente - e devagar. Criar beleza, duma maneira genérica, é arrancar de nós mesmos, aos pedaços, a vida interior e misteriosa, que se transfunda em sangue e em génio nas páginas que devam ser duradoiras. E criar é doloroso. De certo modo, um grande artista é um suicida. O mito de Galateia é uma verdade. Os livros imperecíveis saíram da essência do prosador ou do poeta em nuvens de sonho ou em clarões faiscantes, em lágrimas eternas ou em risos esplendentes. E o próprio Flaubert, que tanto pregou o impersonalismo em literatura, respondia sempre: Qui est Mme. Bovary? C'est moi!"

Júlio Brandão, Poetas e Prosadores - à margem dos livros, Braga/Porto: Livraria Cruz Editor, s.dt., p. 8.

Tuesday, April 20, 2010

O ABSURDO PODE SEMPRE PARAR À TUA PORTA


"O absurdo pode sempre visitar-te quando estiveres no campo
E o teu filho disser: a minha cabeça
Pondo a mão sobre a nuca, tendo abandonado a foice.
O absurdo pode sempre parar à tua porta
Com o teu filho sobre o jumento pardo
Pode sempre visitar-te no rosto da mulher
- Era meio-dia sobre os meus joelhos -
E chamarás. Abrirás em cada dia
Uma nova entrada por onde possa visitar-te
Sentar-se aí ao teu lado. Onde costumas envelhecer."


Daniel Faria, "Homens Que São Como Lugares Mal Situados", in Poesia, 2ª edição, Vila Nova de Famalicão: Quasi Edições, 2006, p. 157.

Monday, April 19, 2010

ANAPESTO


"Mas essa era deusa, de deuses filha;
e nós, mortais, de mortais descendemos.
E belo será que, depois de morta,
tu sejas famosa,
porque igualaste dos deuses a sorte,
na vida e na morte."


Sófocles, Antígona, trad. Maria Helena da Rocha Pereira, 3ª ed., Coimbra: INIC, 1992, p. 75.

Sunday, April 18, 2010

O ABSURDO PODE SEMPRE VISITAR-TE



"O absurdo pode sempre visitar-te quando quiser
Tens um lugar para ele. Em cada dia uma nova entrada.
Tens a memória e sobre o banco à tarde
A mulher. Vamos construir - disse - um quarto no terraço
Quatro paredes de tijolo e uma lâmina ao centro
Uma cadeira, uma mesa. A bilha
Ficará connosco e beberá aqui."


Daniel Faria, "Homens Que São Como Lugares Mal Situados", in Poesia, 2ª edição, Vila Nova de Famalicão: Quasi Edições, 2006, p. 157.

Friday, April 16, 2010

PRAZER NO ABSURDO



"Como pode o homem ter prazer no absurdo? Onde quer que o mundo se ria, é mesmo esse o caso; até se pode dizer que quase em toda a parte onde haja felicidade, há prazer no absurdo. A transformação da experiência no seu contrário, do adequado no ineficaz, do necessário no discricionário, mas de tal maneira que esse processo não cause prejuízo e seja imaginado apenas por traquinice, diverte-nos, pois liberta-nos momentaneamente do constrangimento do que é necessário, apropriado e conforme à experiência, em que nós vemos quase sempre os nossos implacáveis amos; então, brincamos e rimos, quando o esperado (que habitualmente assusta e excita) se desfecha sem causar danos. É o prazer dos escravos nas festas saturnais."

Friedrich Nietzsche, Humano, Demasiado Humano, trad. Paulo Osório de Castro, Lisboa: Relógio D'Água Editores, 1997, 4º Capítulo, 213, p. 191.

Thursday, April 15, 2010

LABAREDA DE PÓSTUMA LUZ



"Sou um círio consumido na festa.
Se ao crepúsculo recolherem o meu cerúmen
Esta página dir-vos-á o segredo
Do choro e do orgulho,
E como repartir a última terça
De contentamento, suave morte
Então, sob o casual alpendre,
Labareda, por assim dizer, de póstuma luz."


Arsenii Tarkovskii, «8 ícones», trad. Paulo da Costa Domingos, Lisboa: Assírio & Alvim, 1987, p. 48.

Tuesday, April 13, 2010

NA FASE DA LUA



"Os vazios do homem, ainda que sintam
a uma plenitude (gora mas presença)
contêm nadas, contêm apenas vazios:
o que a esponja, vazia quando plena;
incham do que a esponja, de ar vazio,
e dela copiam certamente a estrutura:
toda em grutas ou em gotas de vazio,
postas em cachos de bolha, de não-uva.
Esse cheio vazio sente ao que uma saca
mas cheia de esponjas cheias de vazio;
os vazios do homem ou o vazio inchado:
ou o vazio que inchou por estar vazio."


João Cabral de Melo Neto, "A Educação Pela Pedra", in Poesia Completa, Lisboa: IN-CM, 1986, p. 150.

Monday, April 12, 2010

AS FACES DA LUA


"A noite é o mundo do avesso. De dia, o homem vê, de noite é visto. Vêem-no os ladrões e os penedos, igualmente acocorados na penumbra, os pinhais nos altos, os caminhos tapetados de areias brancas trazidas pelos enxurros, as estrelas bruxuleantes na ribalta longínqua do hemisfério. E o homem, perante tantas testemunhas a espiá-lo, sente-se como a formiga insignificante que anda fora do formigueiro."


Aquilino Ribeiro, "O Burriqueiro e o seu Burro", in Casa do Escorpião, Lisboa: Bertrand Editora, 1985, p. 78.

Sunday, April 11, 2010

RÁDONITZA (ANÚNCIO DA PÁSCOA AOS MORTOS)



"Vento de primavera
translúcido como espada:
afasta do sépalo afiado
a corola carmesim que ainda treme,
como na alma o espírito,
o sangue da veia.
O inverno, oculta haste
que balouçou os desejos, assombrou as mortais hesitações,
decepada sem um grito;
a velhice interior decepa
da terrível vida.
Páscoa da incorrupção!
No vento de primavera
a antiga igreja indivisa
anuncia aos mortos que indivisa é a vida;
sobre as lápides dos túmulos
pousa os sépalos que ainda tremem
e no centro, no plexo, no coração,
lá onde está sepultado o Sol,
lá onde está sepultado o Dom,
o pequeno ovo carmesim do perene retorno,
do humilde, irreconhecível
transfigurado retorno.
Páscoa que libertas todas as culpas!"

(...)

Cristina Campo, O Passo do Adeus, trad. José Tolentino Mendonça, Lisboa: Assírio & Alvim, 2002, p. 103.

Saturday, April 10, 2010

DEUS DISSE


"Deus disse: Vou ajeitar a você um dom:
Vou pertencer você para uma árvore.
E pertenceu-me.
Escuto o perfume dos rios.
Sei que a voz das águas tem sotaque azul.
Sei botar cílio nos silêncios.
Para encontrar o azul eu uso os pássaros.
Só não desejo cair em sensatez.
Não quero a boa razão das coisas.
Quero o feitiço das palavras."


Manoel de Barros, O Encantador de Palavras, Vila Nova de Famalicão: Quasi Edições, 2000, p. 21.

Thursday, April 1, 2010

ABRIL, ABRIL, ESTÁ CHEIO O COVIL


"e depois o fernando pessoa morreu em trinta e cinco, senti-me afundado na metafísica, não sabia se havia de protestar por me ter mentido ali vertido como um homem sem profundidade, ou se havia de o abraçar pela maravilha de dizer coisas assim, coisas tão interiores como se fossem de ser vistas. e eu tinha razão. havia uma intimidade entre nós, uma ligação para sempre, que me haveria de colocar um pouco nas mãos daquele homem. como se dominasse algo em mim, o orgulho talvez. esse paradoxal orgulho de me ter dirigido o olhar, de me ter querido num verso seu, e ao mesmo tempo me ter desgraçado, porque a partir de então não pude mais sonhar com ser vago e feliz. a vida tinha sido, e havia comprovadamente de continuar a ser, um rol de violências sobre as quais erguíamos infindáveis noites de insónia. o fernando pessoa havia morrido e o poema ficou para sempre a fazer que éramos amigos, com aquele cumprimento no fim, como regozijando por me ver. uma mentira qualquer, ou não, que em todas as vezes que nos vimos não lhe deu para me chamar ou agradar."


valter hugo mãe, a máquina de fazer espanhóis, Editora Objectiva, Carnaxide: 2010, p. 115.