Friday, October 8, 2010

PARA A MEMÓRIA DE ANÍBAL PINTO DE CASTRO



"Silvestre

Dize, Montano amigo,
Porque andas ca apartado
Em este despovoado,
Assi sô mesmo comtigo
Sem ti e sem o teu gado?
Vejo te a cor mudada.
Sem o teu saio de festa,
A pessoa maltratada:
Gram paixão deve ser esta
Que tens esta madrugada!

Folgavas quando me vias;
Não me queres ver agora;
Mudou se o tempo e a ora
Contra ti, que não soías
Ser tam triste ca de fora.
Fizeste grande mudança.
Cada vez pera pior;
Trazes a vida em balança.
Guar-te, Montano pastor,
Porque o mal presto se alcança-

Pesa me de assi te ver
Quanto me pode pesar.
Co sentir e co chorar
Se te podesse valer,
Poder te hias descansar.
Mas ai coitado de mi!
Cada vez que te mais vejo,
A vida não a desejo
Pois a morte vejo em ti
Com tal tromento sobejo."


Sá de Miranda, Poesias, ed. Carolina Michaëlis de Vasconcelos, Lisboa: IN-CM, 1989, pp. 403-404.

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