"E assim, misteriosamente, a escrita, ligada no entanto ao desenvolvimento da prosa, quando o verso deixa de ser um meio indispensável para a memória, a coisa escrita aparece essencialmente próxima da palavra sagrada, de que parece trazer para a obra a estranheza, de que herda a desmesura, o risco, a força que escapa a todo o cálculo e recusa qualquer garantia. Como a palavra sagrada, o que está escrito vem não se sabe de onde, é sem autor, sem origem, e, assim, reenvia para qualquer coisa de mais original. Por detrás da palavra do escrito, ninguém está presente, mas ela dá voz à ausência, como no oráculo onde fala o divino, o deus nunca está presente ele próprio na sua palavra, e é a ausência de deus que então fala. E o oráculo, não mais que a escrita, não se justifica, não se explica, não se defende: não há diálogo com o escrito e não há diálogo com o deus. Sócrates fica espantado com esse silêncio que fala."
Maurice Blanchot, A Besta de Lascaux, trad. Silvina Rodrigues Lopes, Lisboa: Edições Vendaval, 2003, pp. 14-15.
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