Sunday, October 24, 2010

RESIGNEMO-NOS À ORDEM DO DESTINO 2


"- Mas, interrompi-a eu, se fosses uma infeliz, Delbène, não gostarias muito mais que te aliviássemos da tua dor?
- Saberia sofrer sem queixar-me, respondeu-me a estóica criatura, e não pediria socorro a ninguém. Estarei eu ao abrigo dos males da natureza e, embora não precise de recear a miséria, não existem ainda a febre, a peste, a fome, os abalos de uma revolução imprevista e todos os restantes flagelos da humanidade? Venham eles e resistir-lhes-ei com coragem. Acredita, Juliette... podes ficar convencida que, se consinto em deixar sofrer os outros sem lhes permitir qualquer alívio é porque eu própria aprendi a sofrer nas mesmas circunstâncias. Entreguemo-nos à natureza: não é para a entreajuda que os seus desígnios apontam: esses desígnios nada mais fazem que projectar em nós a necessidade absoluta de nos munirmos de toda a força necessária para enfrentar os males que ela nos reserva e a comiseração, longe de preparar-nos a alma, perturba-a, amolece-a, e retira-lhe a coragem que não voltará a encontrar, quando dela precisar para enfrentar as suas próprias dores. Quem aprende a endurecer-se com o mal dos outros fica imune aos seus próprios males e é bem mais necessário sabermos sofrer com coragem que acostumar-nos a chorar pelo sofrimento dos outros. Oh Juliette, quanto menos sensíveis formos, menos sofremos e mais nos aproximaremos da verdadeira independência. Só de duas coisas somos vítimas: ou da infelicidade dos outros, ou da nossa. Comecemos por endurecer-nos contra a primeira e a segunda nunca chegará a afectar-nos. A partir desse momento, nada poderá perturbar a nossa tranquilidade."


Marquês de Sade, História de Juliette ou as prosperidades do vício, trad. Rui Santana Brito, Lisboa: Guerra e Paz, 2007, pp. 76-77.

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