" - O que é uma mulher? - disse Baltar, vendo que Martin tinha interrompido as leituras que fazia e se sentara ao sol no pátio dos monges. - Uma mulher é bom - continuou ele. - Picasso, quando estava a morrer, segredou isto ao médico. Ou o médico quis gozar um pouco de glória, como nós gozamos um sol de Inverno neste lugar. "Uma mulher é bom." Mas o que é uma mulher? Confesso que as vejo sempre como uma coisa de pouco valor, que nunca nos serve bastante e povoa a nossa solidão e às vezes a degrada. Não sei de pior companhia do que a duma mulher. Faz barulho com a loiça, bate com as portas, arrasta as cadeiras, queixa-se o dia inteiro, encontra todas as maneiras de ser desagradável, tem um cheiro horrível às vezes, e quer que a gente lhe diga que a ama. Quer ser notada em casa e na rua, usa roupas impróprias no amor e no trabalho. Só aqueles brincos enormes lhe dão um ar arrepiante. Parecem instrumentos de tortura. Se me beijassem, eu tinha de proteger a cara e os olhos, usar um elmo, não sei bem. São tão ignorantes! Mesmo quando fazem o liceu e um curso superior, ficam ignorantes. Não são capazes de ideologia nem de utopia nenhuma. Quanto a construírem o mundo, limitam-se a limpar-lhe o pó e a fazer constar que isso é uma regra de oiro. Eu não digo que não tenham jeito de governar; mas o que eu digo é que se enchem de complexos de culpa e fazem do governo uma atitude e não um ofício. Não sei como as hei-de tratar. Já não lhes podemos bater nem fazer-lhes filhos; nem pedir-lhes que nos façam a cama e a sopa. Respondem: "Basta de autoritarismo militar, de faxina, de continências, de galões." São mais brutais e menos guerreiras. Querem convencer e não agradar. Como é possível? Apetece-me meter-me num canto e não sair de lá. O mundo tornou-se limpo demais para o meu gosto. É para esquecer."
Agustina Bessa-Luís, As Terras do Risco, 2ª ed., Lisboa: Guimarães Editores, 1999, p. 87.
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