Sunday, February 5, 2012

DO OUTRO LADO DOS SONHOS


"O carácter de aparição do fantasma -
era assim que começavam todos
os manuscritos em que procurava
dar corpo pela letra ao que, de
outro modo, talvez não tivesse
consistência suficiente para se
impor à tessitura fina dos sentidos.
Tudo se passava como se pela palavra
se instalasse um dispositivo
de produção directa das imagens
independente de qualquer reflexão
sobre o carácter verosímil do sentido.
Bastava estar escrito para de imediato
se impor como realidade. E era
isso que procurara atingir na poesia:
fazer coincidir o real com o poder
evocatório - vindo de detrás, do
outro lado dos sonhos - das imagens.
Retirar todos os panejamentos
à beleza e depois profanar,
fazer amor com esse corpo
até que ele se reanimasse
e erguesse, arrastando e
espojando-se sobre o túmulo.
Ah, então, talvez compreendesse
o que resta de real quando
a visão do fantasma é tudo
o que nos prende,
pela fímbria dos dedos,
à borda crua do precipício."
Fernando Guerreiro, Teoria do Fantasma, Lisboa: Mariposa Azual, 2011, pp. 42-43.

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