"As praias lentamente se envolvem na desordem dos tempos. Agora, ainda as procura a multidão ociosa, as tribos garridas, submissas ao ritual da água e do sol. Amanhã, as praias serão talvez reservas do exército ou concessões dos mercados abastecedores. Há-de ser crime pescar caranguejo com uma pequena rede de borboletas; as algas serão produto vital, e nunca mais nadaremos num campo de alface do mar, rompendo novelos de fitas, de franjas, de espuma e de sal. E aquelas senhoras banhistas, recheadas de celulite, também não andarão mais reflectidas no espelho de areia e água. Os excêntricos não terão lugar na solidão, nem os anacoretas hão-de ter desertos para habitar. E talvez não; talvez a terra se despovoe de repente de tanta gente dinâmica e transformadora, e fique outra vez o jardim das delícias, com a fonte da juventude jorrando sob o coice de Pégaso. Os deuses talvez voltem. Ceres dormindo nos trigais, Minerva dos olhos verdes, Apolo com a quadriga de oiro percorrendo os espaços. De certa maneira, quase o contrário da maneira pagã, eles talvez voltem. Reconhecemo-los quando a ceara, o mar e o sol tiverem outra vez direito à sua criação própria, sem espectadores, apenas com devotos."
Agustina Bessa-Luís, Alegria do Mundo - I, Lisboa: Guimarães Editores, 1996, p. 134.
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