Monday, August 6, 2012

A ILHA DESCONHECIDA 2


"O carácter da paisagem é delicado e oculto. Embora a gente veja o campanário e as casas minúsculas no fundo da enorme cratera, duvida, e chega a supor que a vara dum mágico fez parar o tempo, e aquilo se conserva encantado entre montes desmedidos e brutos que o guardam prisioneiro. O tempo passa, os homens passam; só ali tudo está suspenso, na atitude fixa no momento do prodígio. Na solidão mágica não se ouve cantar um pássaro, a água não bole, as flores não bolem. Tudo se mostra na amplidão da cratera aberta para o céu e num grande silêncio estarrecido. Tão pouca tinta! Um quadro feito de emoção; um quadro em que o verde não chega a ser verde, em que o azul é névoa, e um sopro o pó roxo suspenso no ar, puro hálito da paisagem arfando. Três riscos muito leves para fixar o encanto, como se fosse possível, só com sentimento e quase nada de cor, fazer uma obra-prima. Reparo que há efectivamente uns carreiros perdidos por entre os montes para descer lá a baixo. Mas eu não me atrevo! tenho medo de que ao aproximar-me a visão se desvaneça no ar!..."
Raul Brandão, As Ilhas Desconhecidas, Lisboa: Quetzal, 2011, p. 146.

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