"Deixo entrar o mundo devagar
Com o seu catálogo de catástrofes diárias.
É mais uma visita, mais um episódio
Duma série doméstica.
É mais um dia virtual de imagens
Criminosas.
Deixo o poema aberto às leis da concorrência
Devo manter-me à sombra
De mim próprio.
Não tenho clientela.
Acabei o meu turno de pneus obedientes,
De olhares elásticos,
De manequins agressivos, envoltos em silêncio,
Nas ruas duma tarde de província
Em mar de Inverno.
Trago as ondas revoltas na cabeça.
Como quem procura o prazer num vão de escada
Lírico
Dou alguns passos, livre,
Mas o meu corpo cede à languidez dormente
Do asfalto.
Sem risco nem aventura,
Burocrata,
O carro encosta junto à repartição pública
E aprende, com o país,
A espera."
Armando Silva Carvalho, O Amante Japonês, Lisboa: Assírio & Alvim, 2008, pp. 91-92.
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