Thursday, June 30, 2016

SOTER



«104. Mélios: " Nós também - não duvideis - achamos difícil lutar contra a vossa força e contra a sorte (salvo se ela for imparcial); apesar disto confiamos, com vistas à sorte, em que graças ao favor divino não estaremos em desvantagem, pois somos homens pios enfrentando homens injustos; quanto à força, confiamos que a aliança lacedemónia nos socorrerá no que for necessário, pois ela terá de ajudar-nos, se não por outras razões, por nossas afinidades étnicas e por uma questão de honra. Logo, nossa confiança não é totalmente irracional".»


Tucídides, História da Guerra do Peloponeso, 5, 104, trad. Mário da Gama Kury, 4ª ed., Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 2001, p. 350. 

PHUSIS



«103. Atenienses: "A esperança é um estimulante para o perigo, e para aqueles que dispõem de outros recursos, embora possa prejudicá-los ela não os leva à ruína, mas para quem arrisca tudo num só lance - a esperança é pródiga por natureza - seu verdadeiro caráter só é percebido quando o desastre já aconteceu; quando finalmente se revela a sua precariedade, ela não oferece à sua vítima qualquer oportunidade para precaver-se após essa revelação. É isto que vós, fracos como sois e sós num dos pratos da balança, deveis evitar; não imiteis a maioria que, quando ainda é possível a salvação por meios humanos disponíveis, logo que a desgraça chega e lhe fogem todas as esperanças reais se entrega às irreais - vaticínios, oráculos e outras semelhantes - que se juntam a tais esperanças para levar os homens à ruína".»


Tucídides, História da Guerra do Peloponeso, 5, 103, trad. Mário da Gama Kury, 4ª ed., Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 2001, p. 350. 

Wednesday, June 29, 2016

ENTRADA



" - Não comas cebolas - disse, pelo meio. - os gregos vedavam a entrada no templo de Cibele aos que comiam cebolas. 
- Não entrarei no templo de Cibele - respondeu Esaú calmo, servindo-se."


Pitigrilli, Os Vegetarianos do Amor, trad. Pires Carneiro, Porto: Brasília Editora, 1974, p. 69. 

Tuesday, June 28, 2016

A LONGA EXPERIÊNCIA



"A longa experiência, que prevista
No ante-mural dos séculos se encosta, 
Nos aponta o farol que a Natureza
Ergueu para guiar-nos à ventura. 
Nem podem (que não valem seus poderes)
Tolher-nos os tiranos os luzeiros
Que as sombras dos enganos lhes destecem:
Como quando, arraiando nos cabeços
Das mais altas montanhas, afujenta
O Sol os véus da Noite denegridos
E mete o dia pelo largo mundo."


Filinto Elísio, Líricas e Sátiras, Porto: Editorial Domingos Barreira, s.d., p. 195.

Monday, June 27, 2016

LOGISMOS



"Assim raciocinava Esaú Sánchez, o homem que escancarava as janelas da aula para que entrasse o rumor da vida, lá fora, o homem que se apaixonara por Sanka na espiral de um tango, o homem que gostava da vida porque um bastão de ebonite aquecido atrai os corpos leves, e um prisma de cristal exposto ao sol decompõe a luz."


Pitigrilli, Os Vegetarianos do Amor, trad. Pires Carneiro, Porto: Brasília Editora, 1974, p. 48. 

Sunday, June 26, 2016

FORMA



"No entanto Esaú não amava os homens. Perdia-se de bom grado na multidão para estar sozinho. Não, não amava os homens. Amava as coisas e as ideias. Os homens são apenas um modo se se apresentar a matéria, a qual, além de outras propriedades conhecidas, tem ainda a de agregar-se sob a forma de homem."


Pitigrilli, Os Vegetarianos do Amor, trad. Pires Carneiro, Porto: Brasília Editora, 1974, p. 15. 

Saturday, June 25, 2016

GNOMON



"De tudo quanto gastamos, o mais caro é o tempo."


Antifonte, in Maria Helena da Rocha Pereira, Hélade - Antologia da Cultura Grega, 5ª edição, Coimbra: FLUC/IEC, 1990, p. 260. 

Thursday, June 23, 2016

ESPERANÇA


"NASTY
Se não houvesse mais esperança, eu seria o primeiro a aconselhar-vos rendição. Mas quem pretenderá crer que Deus nos vai abandonar? Quiseram fazer com que duvidásseis dos anjos? Meus irmãos, os anjos existem. Não. Não levanteis os olhos: o céu está vazio. Os anjos estão a trabalhar na terra; lutam encarniçadamente no campo inimigo."


Jean-Paul Sartre, O Diabo e o Bom Deus, trad. Maria Jacintha, revis. Serafim Ferreira, Lisboa: Círculo de Leitores, 1974, p. 37. 

Wednesday, June 22, 2016

VERDE



"Os campos estão desertos
Onde outrora floresciam aldeias, 
E ecos de sinos dobrando-se às colinas, 
Soluçando o silêncio dos pinhais.

Tempo de solares e mesas postas, 
Borborinho e cantos matinais. 

Hoje silva o comboio e, indiferentes, 
Dedos apontam o muro engrinaldado: 
«Ali foi...», mas já o rio surge. 
O comboio estremece as fundações da ponte."



Ruy Cinatty, Antologia Poética, ed. Joaquim Manuel Magalhães, Lisboa: Editorial Presença, 1986, p. 35. 

Tuesday, June 21, 2016

TRILBY



"Bastava-lhe dizer: «Dorme» e ela tornava-se imediatamente numa Trilby inconsciente, de mármore, que podia cantar o que ele tinha na cabeça (nada mais), pensar o que ele pensava, desejar o que ele desejava... e amá-lo quando ele lho ordenava. Mas era um amor factício e obrigado, era o amor de Svengali por si mesmo, reflectido sobre ele como vindo dum espelho... um eco, um simulacro! Mas nada mais!... nada que merecesse o ciume."


George du Maurier, Trilby, s.trd., Lisboa: Bertrand Editor, 1904, p. 284. [grafia atualizada]

Monday, June 20, 2016

ESTILO


"Ora os toureadores de Le Laird, pintados na praça Saint André-des-Arts, tinham adquirido grande fama na Escócia; depois de executados em Sevilha, deixaram de agradar e de se vender. E vendo isto, Le Laird experimentou fazer cabeças de cardeais e pifferari napolitanos, os quais tiveram tão grande êxito que ele fez logo tenção de não o comprometer com uma viagem a Itália!"

George du Maurier, Trilby, s.trd., Lisboa: Bertrand Editor, 1904, p. 152. [grafia atualizada]

Sunday, June 19, 2016

TRISTITIA



"Tiveram de resistir à tentação, e de reagir contra a sua fraqueza. De braço dado, com os olhos turvos, arrastando as bengalas por cima do passeio, atravessaram as pontes e dirigiram-se ao Café do Odéon, onde comeram muitas omeletes em silêncio e beberam tristemente o melhor que encontraram; e estiveram realmente muito tristes."


George du Maurier, Trilby, s.trd., Lisboa: Bertrand Editor, 1904, p. 146. [grafia atualizada]

Saturday, June 18, 2016

AR LIVRE



"Nessa mesma tarde, Trilby provou que era sincera nas suas novas resoluções, quando, depois de jantar, acabou por arrumar os pratos e os talheres, e em vez de ir fumar, como costumava fazer, se sentou sossegadamente à costura, e começou a remendar a roupa, que estava ali à sua espera, e que exalava um cheiro bom e são a água fresca e ar livre."


George du Maurier, Trilby, s.trd., Lisboa: Bertrand Editor, 1904, p. 85. (grafia atualizada). 

Thursday, June 16, 2016

DESLUMBRAMENTO




"Little Billee já não era feliz... O deslumbramento da visão feminina, de pés de anjo, cegava os seus olhos demasiado apaixonados pela forma e enchia-os de melancolia. Mais de um de entre nós, ao contemplar as formas adoráveis de uma mulher bonita, tem adivinhado, por detrás delas, uma bela alma. O instinto que nos guia nesse caso raras vezes nos engana. Mas ah! muitas vezes esse corpo de mulher que nos encanta, é um perigo terrível nesta terra cheia de tentações! Principalmente se se trata de uma rapariga do povo, humilde e ignorante, cuja natureza ardente e leal se inclina ao amor e à confiança. 
Mas isto é uma verdade tão batida que nem é preciso repeti-la."


George du Maurier, Trilby, s.trd., Lisboa: Bertrand Editor, 1904, p. 34. (grafia atualizada). 

Wednesday, June 15, 2016

ORLANDO



"MULHER
E Deus? Deus permitiu que fizessem esta guerra? 

NASTY
Deus proibiu-os de fazê-la. 

MULHER
Mas este aqui diz que nada acontece sem a sua permissão. 

NASTY
Nada - a não ser o mal que nasce da maldade dos homens."


Jean-Paul Sartre, O Diabo e o Bom Deus, trad. Maria Jacintha, revis. Serafim Ferreira, Lisboa: Círculo de Leitores, 1974, p. 27. 

Tuesday, June 14, 2016

VESPER



"Vesper perdeu-se, ao largo, no Poente...
A Noite galga na maré crescente...
Apenas há clarões no teu olhar
Que brilha raso d'água, liquefeito...
Fico-me a vê-lo, atónito, de bruços...
Súbito gemes, tens o seio a arfar, 
Inclinas a cabeça no meu peito
E rompes em soluços!..."


Jaime Cortesão, Poesias-I, Lisboa: Portugália Editora, 1967, p. 180. 

Monday, June 13, 2016

VOLÁTIL



"Sonhei que vias
a encarnação dos teus mortos
e tu própria, exausta, regressavas
como soterrado minério.

Mas eu não via Deus
nem me falavas: rendia o teu lugar. 
Pesadelo era a eternidade."


António Osório, "A Matéria Volátil", in António Osório, Lisboa: Presença, 1984, p. 116. 

Saturday, June 11, 2016

CORREM



"Correm turvas as águas deste rio,
Que as do Céu e as do monte as enturbavam;
Os campos florescidos se secaram;
Intratável se fez o valem, e frio. 

Passou o Verão, passou o ardente Estio;
Uas cousas por outras se trocaram;
Os fementidos Fados já deixaram 
Do mundo o regimento ou desvario.

Tem o tempo sua ordem já sabida;
O mundo não; mas anda tão confuso, 
Que parece que dele Deus se esquece. 

Casos, opiniões, natura e uso
Fazem que nos pareça desta vida
Que não há nela mais que o que parece."

Luís de Camões, Lírica, Lisboa: Editores Reunidos/RBA Editores, 1996, p. 72. 

BREVE



"Vós que escutais em rimas derramado 
Dos suspiros o som que me alentava
Na juvenil idade, quando andava 
Em outro, em parte do que sou, mudado;

Sabei que busca só, do já cantado
No tempo em que ou temia ou esperava, 
De quem o mal provou, que eu tanto amava, 
Piedade, e não perdão, o meu cuidado. 

Pois vejo que tamanho sentimento
Só me rendeu ser fábula da gente
(Do que comigo mesmo me envergonho), 

Sirva de exemplo claro o meu tormento, 
Com que todos conheçam claramente
Que quanto ao mundo apraz é breve sonho."



Luís de Camões, Lírica, Lisboa: Editores Reunidos/RBA Editores, 1996, p. 73. 

Thursday, June 9, 2016

MODO




"Puseram-nos rodilhas à cabeça
Um modo muito antigo de nos virem coroar"


Daniel Faria, Poesia, 2ª ed., Lisboa: Assírio & Alvim, 2015, p. 95.

Monday, June 6, 2016

KRISIS



"Aceita a dor e o julgamento dos anos, 
lábios selados e sem nenhum segredo
para a última das frases de Pilatos."


Paulo Teixeira, Inventário e Despedida, Lisboa: Caminho, 1991, p.  101. 

Sunday, June 5, 2016

SAUDAÇÃO




"Saúda a hora, esse fugidio ar dos minutos, 
como quem, convertido à fonética do silêncio, 
soçobra na linguagem autista do poema. 
Os pulmões expiram para longe o hálito
dos anos e a memória alastra pelo papel
como uma assinatura. Este continente, 

lugar imposto no gráfico da tua vida, fixa-o, 
prestes a erguer-se no ar como morada de exílio, 
na lenda que é já a visão da tua íris estriada. 
Com o nível do sangue a latejar na garganta
escreve, sob a luz dos revérberos, a despedida
as cerimónias crepusculares do velho mundo."


Paulo Teixeira, Inventário e Despedida, Lisboa: Caminho, 1991, p. 11. 

Saturday, June 4, 2016

ESTAR FORA



"Abri as janelas e vede como os fogos
se ateiam a lavrar ao longe grande incêndio. 
Passarão reis, ceptros, majestades, 
castas, tribos e raças, de cá para lá, 
de lá para cá, capitães e alma-parens, 
sob o turíbulo, na sombra dos anjos executores. 
De cá para lá, de lá para cá, porque os anos
são como veletas: não se sabe o que vem, 
de onde vem, o fumeiro, o lugar da degolação. 

Queria estar fora do mundo e do alcance do que vejo. 

A tarde entrou-vos pela casa e fez-se noite."


Paulo Teixeira, Patmos, Lisboa: Caminho, 1994, p. 41. 

Friday, June 3, 2016

DERRAMADA



"Derramadas foram as taças sobre a Terra. 

Estremeci do seu murmúrio primeiro, 
do seu frémito depois, da sua convulsão. 
As palavras que ouvia eram como calhaus
rolados, seixos que dão à praia pela manhã. 

Entram na vossa alma secretamente. 

Chorei por vós nesse dia. Piedade. 

Porque amei vossas pegadas e as cicatrizes 
na vossa carne, o tão calado testemunho. 
Perguntareis: como amar as pegadas
de quem já não vive?

Amei o que foi vosso um dia. Por isso chorei."


Paulo Teixeira, Patmos, Lisboa: Caminho, 1994, p. 43. 

Thursday, June 2, 2016

SOLENE



"Mas duas ou três vezes, naquela noite, ouviu-se também o verdadeiro silêncio, o silêncio solene dos bosques antigos, não comparável a nenhum outro no mundo e que muito poucos ouvidos humanos ouviram."


Dino Buzzati, O Segredo do Bosque Velho, trad. Margarida Periquito, 3ª ed., Lisboa: Cavalo de Ferro, 2012, p. 77.