"Acrescentou ainda:
- Coitados! são como as crianças.
- Quem?
- Os que aí vêm. Pobres cegos!
- Cegos ?!... - exclamou Leonel - mas que cegos? Cegos, sim, mas que não conhecem a sua cegueira! Podem ser felizes na inconsciência em que vivem. Cego desgraçado és tu, que sabes que há a luz do dia e não a podes ver. Cego sou eu, que já não posso ver nada senão através da minha desgraça...
- Tu, sim, que ainda desesperas e te revoltas. Mas eu já não sou cego nem desgraçado desse modo.
- Não disseste que todos somos desgraçados? Pensei que também te referias à tua desdita.
- E referia. Mas era para te dizer que não deves ter vergonha de mim. De mim, ninguém se acanha nem oculta! Conheço a miséria de todos. Sou para toda a gente como o cão... E ao mesmo tempo, nem que pensem que não, têm-me respeito. Não é para admirar, isso?
- O que é que é para admirar?
- Ser, ao mesmo tempo, como um cão e como um mestre!"
José Régio, O Príncipe com Orelhas de Burro, 2.ª ed., Lisboa: Editorial Inquérito, 1946, pp. 228-229.
No comments:
Post a Comment