"Isabel afastou a chávena, fechou os olhos e cobriu-os com uma mão. Eram, sem dúvida, pensamentos perversos, os que lhe ocorriam agora acerca de uma pessoa que tinha morrido há tão pouco tempo, ainda por cima uma pessoa que lhe tinha votado um amor incondicional, sem que acalentasse qualquer esperança de receber algo da parte dela, salvo o inofensivo privilégio de murmurar "Brava!" e de lançar uma rosa aos seus pés, antes do fechar do pano, para lhe dar alguma força para a segunda parte do espetáculo. E no entanto, pensava Isabel, a vida não é uma metáfora, nem um monólogo dramático ou um espantoso número de circo. É um projeto mundano, concretizado não numa atmosfera empoada ou em tábuas polidas, mas no meio da terra, sem o toque transfigurador da arte, sem enlevos de qualquer espécie, salvo naquelas ocasiões, raras e preciosas, em que, à vulgar luz do dia, movidos por misteriosos poderes que nos ultrapassam, temos a impressão de ver o mundo eclodir diante de nós com um esplendor sobrenatural."
John Banville, Mrs. Osmond, trad. Frederico Pedreira, Lisboa: Relógio D'Água, 2018, p. 109.
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