"Nós, eu e tu, querido leitor, nascemos cadáveres e somos cadáveres. Duvido que haja entre nós alguém que tenha alguma vez sabido, sequer, o que é uma maçã, o que é a totalidade de uma maçã. Nós todos não conhecemos mais do que sombras, mesmo no caso das maçãs. Sombras de tudo, do mundo inteiro, até sombras de nós próprios. Estamos dentro do túmulo; e o túmulo é vasto e sombrio como o inferno, mesmo que uma pintura optimista o mostre azul-celeste e faça crer que é o mundo inteiro. Mas o nosso mundo é um vasto túmulo cheio de fantasmas, de réplicas. Somos todos espectros incapazes de tocar em qualquer coisa, mesmo que seja apenas uma maçã. E espectros somos todos uns para os outros. Sois para mim um espectro, e para vós um espectro sou. Mesmo para vós próprios sois uma sombra - e por sombra entendo a ideia, o conceito, a realidade abstractizada, o ego. Não somos sólidos. Não vivemos na carne. Os nossos instintos e as nossas intuições, que são a guarda-avançada do toque e do conhecimento através do toque, estão mortos e amputados. Andamos, e falamos, e comemos, e copulamos, e rimos, e urinamos, e evacuamos envoltos pelos nossos sudários, sempre envoltos pelos nossos sudários."
D. H. Lawrence, A Maçã de Cézanne... e eu, trad. Aníbal Fernandes, Lisboa: sistema solar, 2016, p. 56.
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