"Chamam-me muitas vezes às casas aristocráticas para curar crianças idiotas. Em geral é impossível uma pessoa fazer-se entender pela criança idiota, e quando não encontro esse resquício que às vezes há nos idiotas, considero a cura desesperada e vou-me embora; faço-o por pena, porque os seus gritos chamam-me, como se na sua idiotia houvesse percebido ter passado ao seu lado a única pessoa que poderia curá-los...
Pude curar alguns desenredando aos poucos, com os meus dedos compridos, a grande teia que se lhes embrulhara na cabeça...
O último caso que curei foi o de um idiota que estava sempre à beira do grande tanque do palácio atirando constantemente pedras à água, saciando-o um pouco o ruído dos bochechos que a água fazia ao engolir as pedras...
Vi que o repreendiam e de imediato o afastavam do tanque, embora, com a malícia e a sagacidade dos idiotas, ele soubesse aproveitar a distracção de todos para voltar a atirar as pedras para lá.
- Manolín, esteja quieto... Manolín, não seja mau...
Há em toda a parte uma grande incompreensão do idiota, revelando-se com isso mais idiotas do que ele os que não conseguem compreendê-lo.
- Só pensa em atirar pedras para o tanque... Mal nos descuidados, recomeça logo.
- Pois muito bem, os senhores verão em breve - disse-lhes eu - que o único meio de o curarem
é deixarem-no encher com pedras esse tanque, para assim ver concluída a sua obra... Verão como a sua idiotia há-de rebentar no grande suspiro que cura os idiotas...
Fui-me dali e só depois de vários meses o conde, pai do idiota, me visitou, dizendo-me então:
- Não podes imaginar como lhe foi difícil encher o tanque de pedras... Deixou o jardim sem uma única pedra, e às vezes até apanhava terra para o encher melhor... Trabalhou como um desesperado, como um pedreiro que andasse de empreitada... Mas há uns dias sobressaiu no tanque, todo entulhado, uma espécie de pirâmide de pedras, e então o miúdo, sentando-se sobre o remate da sua obra, deu o suspiro que o senhor tinha anunciado, e recuperou o juízo... Nem imagina como é sensato desde então...
Após ter realizado a missão da sua idiotia, é como se já não precisasse de o ser..."
Ramón Gómez de la Serna, O Médico Inverosímil, trad. Júlio Henriques, Lisboa: Antígona, 1998, pp. 57-58.
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