Friday, February 19, 2010

ASSIM OS VIVOS



"Assim, os vivos também se tornaram fantasmas: bato-lhes
à porta da alma, vagueio num descampado de sentimentos,
chamo-os - e vejo-os partir. Construo a solidão
com os pedaços das imagens que me deixaram. Ergo
edifícios a partir de memórias, de palavras, de gestos que
ficaram das nossas conversas, quando o tempo se reduzia
ao instante que vivíamos e nenhum futuro nos impunha
a sua sombra. Agora, porém, a que estação te irei buscar? Em
que banco de jardim te irei surpreender, olhando essa manhã
que marca a separação dos amantes? Limito-me a esperar
que esta porta se abra, uma vez mais, e a primavera
entre para este quarto onde a noite se instalou."


Nuno Júdice, Pedro, Lembrando Inês. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2001, p. 45.

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