Tuesday, February 2, 2010

PARA R. L. DE F., QUE NÃO CHEGOU A DIZER DANIEL FARIA


"Recusa, amigo, da lide o ardil que, fátuo,
Nenhum deus quer ou lembra;
E entremos no jardim como quem no sagrado
Do que se ignora entra.

Na fonte, ao tempo alheio, voz de água estremecida,
Gorgoleja o delfim
A área que reúne todo o pouco da vida
No esplendor do jardim.

Aos fados que nos fiam o estreito acontecer,
Só na ilusão ilesos,
Sob as tílias amemos: é o estrito dever
De agradarmos aos deuses.

Flores não colhas, porém; sem nexo, se colhidas,
Vão morrer-te nos braços.
Deixa-as serem na haste o hálito da vida
Que te perfuma os passos.

Leves, instantâneas rosas indiferentes às máscaras
Que apodrecem leprosas,
Concedem-nos os deuses para que as nossas almas
Não pesem mais que as rosas.

Num lapso de verdade de que és pálido súbdito
Por decretos ignotos,
O jardim é o instante em que olhamos o mundo
Com magnólias nos olhos."


Natália Correia, "O Armistício", in Antologia Poética, org. Fernando Pinto do Amaral, Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2002, pp. 217-218.

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