"E à meia-noite houve uma visão do inferno. Um homem elegante, de olhos negros, com a barba pontiaguda, de fraque e olhar majestoso, saiu para a esplanada e relanceou os seus domínios. Dizia-se, diziam os místicos, que houvera tempos em que o homem elegante não usava fraque, mas andava cingido por um largo cinto de couro, do qual saíam as coronhas das pistolas, e usava os seus cabelos negros asa de corvo atados por uma fita escarlate, e que sob o seu comando navegava no mar das Caraíbas um brigue sob pavilhão negro com uma caveira.
Mas não, não! Os místicos sedutores gemem, não existem no mundo nenhuns mares das Caraíbas nem neles navegam flibusteiros temerários, nem os perseguem as corvetas, nem o fumo dos canhões flutua sobre as vagas. Não há nada, nunca houve nada! Há lá fora uma tília estiolada, há uma vedação de ferro, e para lá dela o bulevar... E o gelo funde-se no balde, e vêem-se do outro lado da mesa próxima os olhos bovinos raiados de sangue de alguém, e é horrível, horrível... Oh, deuses, deuses, dêem-me veneno, veneno!..."
Mikhail Bulgákov, Margarita e o Mestre, trad. António Pescada, Lisboa: Relógio D'Água, 2007, p. 63.
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