"Entretanto, existe um prazer imenso em possuir uma alma jovem, mal desabrochada! Ela é como uma flor cuja melhor fragrância se exala aos primeiros raios de sol - tem de ser colhida nesse instante e, depois de se lhe ter inspirado o aroma até à saciedade, atira-se para o caminho: pode ser que alguém a apanhe! Sinto em mim esta avidez insaciável que devora tudo o que encontra; olho para os sofrimentos e alegrias dos outros e apenas vejo neles aquilo que a mim diz respeito, como um alimento que sustém as minhas forças espirituais. Por mim, já sou incapaz de enlouquecer de paixão; a minha ambição foi esmagada pelas circunstâncias e voltou a manifestar-se noutra forma, porque a ambição não passa da ânsia de poder, e o meu principal prazer é subjugar à minha vontade tudo o que me rodeia: despertar nas pessoas o sentimento do amor, da abnegação e do medo - não será isso o primeiro sinal e o maior triunfo do poder? Sermos a causa dos sofrimentos e alegrias para alguém, sem que para isso tenhamos qualquer direito - não será esse o mais deleitoso alimento do nosso orgulho? Ora, o que é a felicidade? É a satisfação do orgulho. Se eu me considerasse o melhor, o mais poderoso de todo o mundo, seria feliz; se toda a gente gostasse de mim, eu encontraria em mim as fontes infinitas do amor. O mal gera o mal; o primeiro sofrimento sugere-nos a ideia do prazer que é martirizar o outro; a ideia do mal não pode entrar na cabeça do homem sem que ele não queira experimentá-la na realidade: as ideias são criações orgânicas, como disse alguém, a sua própria génese lhes dá forma, e esta forma é acção; aquele a quem nascem mais ideias age mais do que os outros; por isso, um génio preso à mesa da função pública tem de morrer ou de enlouquecer, do mesmo modo que um homem de forte compleição morre de apoplexia se levar uma vida sedentária e tiver uma conduta modesta."
Mikhail Lérmontov, O Herói do Nosso Tempo, trad. Nina Guerra e Filipe Guerra, Lisboa: Relógio D'Água, 2008, pp. 96-97.
No comments:
Post a Comment