Sunday, June 17, 2012

TÉDIO/MITO DE DÁNAE



"Intendente - Muito triste, Alteza...

Leôncio - ... que as nuvens, há três semanas viajando de oeste para leste, me ponham tão melancólico.

Intendente - Uma melancolia perfeitamente justificada.

Leôncio - Oh, infeliz! Porque nunca me contrariais? Tendes assuntos para tratar, não é verdade? Sinto ter-vos retido por tanto tempo! (O Intendente afasta-se fazendo uma profunda reverência.) Senhor, felicito-vos pelo formoso parêntesis que as vossas pernas desenham quando vos inclinais. (Leôncio fica só e deita-se ao comprido sobre o banco.) Com que negligência as abelhas pousam sobre as flores e os raios de sol se estiram no chão! Ressuma um horrível ócio por toda a parte. O ócio é a mãe de todos os vícios! O que os homens fazem por causa do tédio! Estudam por causa do tédio, rezam por causa do tédio, enamoram-se, casam-se e multiplicam-se por causa do tédio e finalmente morrem por puro tédio. E, aí está o mais engraçado, fazem tudo isso com as caras mais sérias deste mundo, sem saberem porquê e dando aos seus actos sabe Deus que significado! Todos estes heróis, estes génios, estes imbecis, estes santos, estes pecadores, estes pais de família, no fundo, não são mais do que uns refinados ociosos. Por que razão fui eu destinado a sabê-lo? Porque não posso pôr também uma cara séria? Porque sou incapaz de vestir este boneco com um fraque e dar-lhe um guarda-chuva, pôr-lhe um ar legal, útil e moral? Invejo o homem que saiu agora daqui. Ai, se por inveja, eu pudesse supliciá-lo! Oh, ser ao menos uma vez outra pessoa! Durante um minuto só... (Entra Valério, ligeiramente ébrio.) Como este tipo corre! Quem dera que houvesse alguma coisa sob o sol que me fizesse correr assim!"
Georg Büchner, Leôncio e Lena, trad. Orlando Neves, Lisboa: Início, 1967, p. 20.

No comments: