Sunday, September 21, 2014

NÃO SER TUDO



"- Sem dúvida que não. Eu é que não durmo, se bebo; e tenho de me levantar às seis. 
- Para quê?
- Para dizer as minhas orações. Uma pessoa habitua-se. 
- Nunca fui capaz de rezar grande coisa - disse Henry - desde rapaz. Costumava rezar para passar a jogar nas segundas categorias. 
- E conseguiu?
- Joguei nas terceiras. 
- Qualquer oração é melhor que nenhuma. Constitui, de certo modo, um reconhecimento do poder de Deus, uma espécie de louvor, suponho eu. - Não o ouvira, desde o princípio do jantar, dizer tanta coisa de uma vez. 
- Por mim, seria capaz de supor - disse eu - que isso era assim como tocar na madeira ou evitar certos traços na rua. Pelo menos, nessa idade. 
- Ora - respondeu-me -, não sou contrário a um pouco de superstição. Sempre dá às pessoas a ideia de que este mundo não é tudo. - E mostrou-me o nariz carrancudo. - Pode ser um princípio de sabedoria."


Graham Greene, O Fim da Aventura, trad. Jorge de Sena, 5ª ed., Porto: Asa II, 2002, p. 244. 

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