Wednesday, September 3, 2014

O SENSO COMUM



"- Se julgas que me ofendes com essas afirmações enganas-te! O mais que podem imaginar-te, se porventura mencionares o sucedido a alguém de senso, é um caso patológico.
- As pessoas de senso não me interessam. Há no bom senso ou no senso comum um não sei quê de triste e de miserável que mata. As grandes tristezas, as grandes alegrias e os impulsos desregrados não destroem. O senso comum com a sua vil mediocridade aniquila. Sou um prodígio do senso comum e pergunto a mim mesmo se não estou morto. Há quantos anos morri? Julgo que há muitos anos. - A expressão de Natália metamorfoseara-se numa máscara complacente como quem escuta as pueris afirmações duma criança irresponsável ou de um louco. Jerónimo voltou a ouvir o ruído estrondoso da rebentação das ondas de encontro à orla da praia. 
- As ondas rebentam de encontro à praia com uma violência monótona: sempre, sempre... Rebentam como uma ideia fixa, obsessiva, torturante... Gostaria de me sentir a bandeira esfarrapada dum país que já não existisse, a bandeira inútil que ficou esquecida num mastro abandonado! Gostaria de me sentir vivo!
- O que é isso, Jerónimo? Alguma peça de teatro? 
Jerónimo virou sorrindo com uma expressão conciliadora. 
- Não. Estou a falar. 
- Mas ninguém fala assim!"

Graça Pina de Morais, Jerónimo e Eulália, Lisboa: Antígona, 2000, p. 360. 

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