"Como te anunciei a noite. Quantas vezes.
Quantas vezes repousei sob a funda obscuridade
do teu sono apenas percebendo uma ou outra pequena voz.
Pela noite procuro o teu terreno hoje
esse mínimo espaço deus estas naves estão desertas
tudo é estranho para o que vive. Sob a noite
encerro o segredo destes ritos
desfazendo este meu corpo paisagem
alimentando um brilho antigo
cabelo que conheci. Digo nada há que valha esta hora
pouco a pouco renuncio ao sol
em favor da água dos teus olhos.
É preciso esperar tanto. Esta morte faz-se lenta
mente não tenho fome nem sede nem desejo
apenas por outro caminho regresso.
São nossas estas naves
o pequeno galgo que repousa
foi o que nasceu do frio que nós aprendemos.
Esta noite perdi-me nos teus dedos
repeti os teus passos caminhando não
tão depressa quanto queria.
Vê a paisagem muda. Não descubro sequer
o desespero
e quantas vezes digo não tenho aqui ninguém
apenas esta nave sem dúvida a mais bela
para te mostrar.
Aparentemente nada mudou mas na verdade tudo mudou.
Um vento passa sobre mim o risco
das aves sobre o mar
estas pedras colocadas estes arcos cobertos pelos limos
a tua ausência de pedra desenhada
caminhando para mim.
Não me recordo mais
varreu-se-me a memória do teu rosto sob a pressão das mãos
e no entanto quantas vezes digo
tu não suportas alteração.
É tarde. A lua vai morrer. Deixo-me dormir."
João Miguel Fernandes Jorge, "Crónica", in Obra Poética, vol. 4, 2ª ed., Lisboa: Editorial Presença, 1991, pp. 28-29.
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