Saturday, July 23, 2016

BALBEC



"De modo que, ao passo que até então, antes dessas visitas a casa de Elstir, antes de ter visto uma marinha dele onde uma jovem mulher vestida de bege ou de linho, num iate que arvorava a bandeira americana, introduziu o «duplo» espiritual de um vestido de linho branco e de uma bandeira na minha imaginação, que logo alimentou um desejo insaciável de ver imediatamente vestidos de linho branco e bandeiras junto ao mar, como se tal nunca me tivesse acontecido, ao passo que até então sempre diante do mar me havia esforçado por expulsar do meu campo de visão tanto os banhistas do primeiro plano como os iates de velas excessivamente brancas como um trajo de praia, tudo o que me impedisse de me persuadir de que contemplava a onda imemorial, essa que desenrolava já a sua mesma vida misteriosa antes do aparecimento da espécie humana, e até dos dias radiosos que me pareciam revestir do aspecto banal do universal Verão aquela costa de brumas e tempestades, assinalar nela um simples tempo de paragem, o equivalente daquilo que em música se chama um compasso para nada - pois era agora o mau tempo que me parecia tornar-se um acidente funesto, que não podia já ter lugar no mundo da beleza: desejava vivamente ir encontrar na realidade o que tanto me exaltava, e esperava que o tempo fosse bastante favorável para ver do alto da falésia as mesmas sombras azuis do quadro de Elstir."

Marcel Proust, Em Busca do Tempo Perdido - À Sombra das Raparigas em Flor, trad. Pedro Tamen, Lisboa: Relógio D'Água, 2016, p. 414. 

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