"E assim, esse surdo total, como a perda de um dos sentidos acrescenta ao mundo tanta beleza como o faria a sua aquisição, é deliciado que se passeia agora numa Terra quase edénica onde o som ainda não foi criado. As cascatas mais altas limitam-se a desenrolar para os seus olhos a sua toalha de cristal, mais calmas que o mar imóvel, puras como cataratas do Paraíso. Como o ruído era para ele, antes da surdez, a forma perceptível que a causa de um movimento revestia, os objectos movidos sem ruído parecem sê-lo sem causa; despojados de toda a qualidade sonora, mostram uma actividade espontânea, parecem viver; movem-se, imobilizam-se, pegam fogo sozinhos. Sozinhos levantam voo como os monstros alados da Pré-História."
Marcel Proust, Em Busca do Tempo Perdido - O Lado de Guermantes, trad. Pedro Tamen, Lisboa: Círculo de Leitores, 2003, p. 77.
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