Saturday, April 29, 2017

OLHAR AS PEDRAS


"E o poeta demora-se olhando as pedras e 
        interroga-se
existem acaso
entre estas linhas estragadas as arestas os
        gumes os côncavos e as curvas
existem acaso
aqui onde se encontra a passagem da chuva do vento
        e do desgaste
existem o movimento do rosto o traçado do carinho
daqueles que diminuíram tão estranhamente dentro da nossa vida
desses que ficaram sombras de vagas e reflexões com
        a imensidade do mar
ou porventura não nada fica a não ser apenas o peso
a saudade do peso duma existência viva
aí onde agora sem substância ficamos vergando
como hastes do salgueiro abominável amontoadas dentro
        da duração do desespero
enquanto lenta a amarela torrente arrasta para baixo dentro da lama
         juncaria arrancada
imagem de rosto que se tornou mármore para baixo dentro da lama
         amargura para sempre.
O poeta um vazio."

Yorgos Seferis, Poemas Escolhidos, trad. Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis, Lisboa: Relógio d'Água, 1993, p. 101. 

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