Sunday, September 10, 2017

APROPRIAR


"Porque o Amor não é coisa que se diga para o ar e é pelo rosto que se começa a desenhar a estratégia de perdição que é toda a dádiva afectiva. O que se dá a outro fatalmente se retira de nós: e a nossa doentia curiosidade exige saber que o rosto justifica tamanho sacrifício e que outro rosto, afogueado, ousa perder-se na imagem amada. Fatalidade de uma civilização que não soube proibir a tempo a reprodução dos rostos divinos? Não sei. Mas creio que a paixão do retrato é coisa que nos vem de uma exacerbada consciência da efemeridade da vida e, portanto, da absoluta necessidade de fixar, de reter, de apropriar os traços do tempo que passa sobre nós."

António Mega Ferreira, A Borboleta de Nabokov, Lisboa: Editorial Notícias, 2000, p. 98. 

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