Thursday, May 31, 2018

CORPUS CHRISTI



"Há uma chavezita __ Muito te invejo, 
Ó chave que abres __ todos os dias __
A prisão do sacrário eucarístico
Onde__mora o Prisioneiro do Amor__
Melhor do que invejar
É realizar__ um milagre de meiguice,
Pegar na fé__ abrir o tabernáculo__
E fechar-me com Ele__no próprio amar."


Thérèse Martin, de Lisieux, O Alto Voo da Cotovia, trad. Maria Gabriela Llansol, Lisboa: Relógio D'Água, 1999, p. 173. 

Wednesday, May 30, 2018

CRENÇA



"Assim, o homem ignorando e as idades
A que ele chama antigas e as gerações 
De avós e netos, 
A natureza permanece sempre verde, ou antes, percorre
Um caminho tão longo
Que parece imóvel. Caem entretanto os reinos, 
Passam nações e linguagens: ela nada vê:
E o homem vangloria-se de ser eterno."

Giacomo Leopardi, Cantos, trad. Albano Martins. Lisboa: Vega, s/dt, p. 117.

Tuesday, May 29, 2018

ENTES DE IMAGINAÇÃO


"Vê-se assim que todas as noções com que o vulgo costuma explicar a Natureza são somente modos de imaginar, as quais nada dão a saber acerca da natureza do que quer que seja, mas apenas sobre a constituição da imaginação; e porque têm nomes como se fossem entes existentes fora da imaginação, chamo-lhes entes de imaginação e não entes de razão."

Bento de Espinosa, Ética, trad. Joaquim de Carvalho, Lisboa: Relógio d' Água, 1992, p. 175. 

Monday, May 28, 2018

VIGÉSIMO SEGUNDO ANO



"As veias saem do coração e a ele voltam, e tudo é uma única vida, eterna e ardente."

Friedrich Hölderlin, Hipérion ou o Eremita da Grécia, trad. Maria Teresa Dias Furtado, Lisboa: Assírio & Alvim, 1997, p. 203. 

Sunday, May 27, 2018

AXIOMAS


"Não existe, na Natureza, nenhuma coisa singular tal que não exista uma outra mais poderosa e mais forte que ela. Mas, dada uma coisa qualquer, é dada uma outra mais poderosa pela qual a primeira pode ser destruída."

Bento de Espinosa, Ética, trad. António Simões, Lisboa: Relógio d'Água, 1992, pp. 360-361. 

Saturday, May 26, 2018

TOCAR


"Digo isto só como sinal do pouco que sabemos e de que se não deve tocar nos segredos divinos."

Eckermann, Conversações com Goethe, trad. Luís Silveira, Lisboa: Vega, s.d., p. 129. 

Thursday, May 24, 2018

MEDIR



"O homem não nasceu para resolver os problemas do mundo, mas sim para investigar a que importa o problema e parar logo nos limites do que não é compreensível. 
Medir os problemas do Universo não é coisa permitida às suas faculdades e querer trazer ao mundo razão é para as suas possibilidades trabalho vão. A razão dos homens e a razão de Deus são duas coisas muito diferentes."


Eckermann, Conversações com Goethe, trad. Luís Silveira, Lisboa: Vega, s.d., pp. 128-129. 

Wednesday, May 23, 2018

A FESTA


"Moço que brincas,
Essa idade florida
É como um dia cheio de alegria, 
Dia claro, sereno, 
Que precede a festa da tua vida.
Goza, meu rapaz; doce estado, 
Tempo alegre é esse. 
Mais não quero dizer-te; que a tua festa, 
Mesmo que tarde a vir, te não seja pesada."

Giacomo Leopardi, Cantos, trad. Albano Martins. Lisboa: Vega, s/dt, p. 81. 

Tuesday, May 22, 2018

TORNAR-SE (em homenagem ao Divino Júlio Pomar)


"Na medida em que ainda unimos ambos os extremos, surge em nós a ideia de uma finalidade do todo, a natureza torna-se uma linha circular que regressa sempre a si mesma, é um sistema fechado em si mesmo. A série das causas e dos efeitos cessa por completo e resulta uma ligação recíproca dos meios e dos fins; nem o singular se pode tornar real, sem o todo, nem o todo sem o singular."

F. W. J. Schelling, Ideias para uma Filosofia da Natureza, trad. Carlos Morujão, Lisboa: IN-CM, 2001, p. 113. 

Monday, May 21, 2018

DO EQUILÍBRIO



"O homem não nasceu para dissipar a sua força espiritual na luta contra a fantasia de um mundo imaginado por si, mas sim para exercitar as suas forças em face de um mundo que tem influência sobre si, que lhe faz sentir o seu poder e sobre o qual pode reagir; portanto, entre ele e o mundo não deve existir qualquer abismo, entre ambos deve ser possível o contato e a ação recíproca, pois só assim o homem se torna homem. Originariamente, há no homem um equilíbrio absoluto das forças e da consciência. Mas ele pode suprimir este equilíbrio por liberdade, para o produzir novamente por meio da liberdade. Mas só há saúde no equilíbrio das forças."

F. W. J. Schelling, Ideias para uma Filosofia da Natureza, trad. Carlos Morujão, Lisboa: IN-CM, 2001, p. 39. 

Sunday, May 20, 2018

FUTILIDADE


"Os sons, tal como os pensamentos, estão relacionados uns com os outros e também com aquilo que representam, e tem-se verificado sempre que uma percepção da ordem destas relações está ligada à percepção da ordem das relações do pensamento. Esta é a razão por que a linguagem dos poetas tem sempre assumido uma certa repetição, uniforme e harmoniosa, de som, sem o que não seria poesia e que pouco menos indispensável é à comunicação da sua influência do que as próprias palavras independentes dessa ordem peculiar. Daí a futilidade da tradução: seria tão sensato lançar uma violeta num cadinho para lhe descobrir o princípio formal da cor e do aroma, como procurar transvasar de uma língua para outra as criações de um poeta. A planta deve brotar de novo da semente ou não dará flor - eis o peso da maldição de Babel."

P. B. Shelley, "Defesa da Poesia", in Poética Romântica Inglesa, org. e trad. Alcinda Pinheiro de Sousa e João Ferreira Duarte, Lisboa: apáginastantas, 1985, p. 131. 

Saturday, May 19, 2018

RECENTE



"A tempestade passou:
Ouço os pássaros em festa e a galinha
Que, regressada à rua, 
Repete o seu grito. Eis que a ocidente, 
Em direcção da montanha, a claridade rompe;
Limpa-se o campo
E, no vale, aparece o claro rio. 
Torna aos corações a alegria, por toda a parte
Ressurge o rumor, 
Volta o trabalho habitual. 
O artesão, de ferramenta em punho, 
Aparece à porta, cantando, 
A olhar o céu húmido; à porfia
A rapariga sai a recolher a água
Da chuva recente
E o hortelão renova
De caminho em caminho
O seu pregão quotidiano. 
Eis que o Sol volta,eis que sorri
Pelos outeiros e aldeias. Abrem sacadas
E terraços e alpendres os criados:
E, na rua principal, ouve-se ao longe
O tilintar dos guizos; chia o carro
Do passageiro que retoma o seu caminho."

Giacomo Leopardi, Cantos, trad. Albano Martins. Lisboa: Vega, s/dt, p. 75. 

Friday, May 18, 2018

MODERNOS


"«Então, que tal lhe parece? - disse Goethe. «Nós, os modernos», continuou, somos capazes de sentir a grande beleza dum motivo puramente natural e ingénuo, e também temos o conhecimento e o sentido de como se deve fazer tal coisa, mas a verdade é que o não fazemos porque o cérebro domina e falta sempre esta maravilhosa graça.»"

Eckermann, Conversações com Goethe, trad. Luís Silveira, Lisboa: Vega, s.d., p. 69. 

Thursday, May 17, 2018

O PODER



"Terá a manhã sempre que voltar? Não terminará jamais o poder da Terra?"

Novalis, Os Hinos à Noite, trad. Fiama Hasse Pais Brandão, 2ª ed., Lisboa: Assírio & Alvim, 1998, p. 23. 

Wednesday, May 16, 2018

CULTO


"Cada Arbitrário, Casual, Individual pode tornar-se nosso órgão universal. Um rosto, uma estrela, uma paisagem, uma velha árvore, etc. pode fazer época no nosso íntimo. Este é o grande realismo do culto fetichista."

Novalis, Fragmentos, selec. e trad. de Rui Chafes, Lisboa: Assírio & Alvim, 2000, p. 131. 

Tuesday, May 15, 2018

IMPRESSÃO


"esses fantasmas recolhem a distância do tempo
e ainda regressam e eu imagino
que não imagino nada
eles vivem contigo nos interstícios 
de todas as interrupções
colam-se a esta casa no meio do nada
fazem bater as portas atiram pedras às janelas 
tu fazes o teu trabalho de mulher aranha
entre uma sala e um quarto
tudo desaparece de cima da mesa
e é atirado para uma mochila quando acabas
tão longe deles a cada dia eu percebo
de quantas maneiras o teu trabalho

é novo, precário e difícil
e nunca vai ficar acabado

mas eles não continuam a voltar
só esta impressão se fecha em redor de ti"


Tatiana Faia, Um Quarto em Atenas, Lisboa: Tinta-da-China, 2017, pp. 88-89. 

Monday, May 14, 2018

AS FORÇAS


"«Vê-se na antiga arquitetura alemã a florescência de uma extraordinária cultura. Admiramo-nos quando tal florescência, de súbito, se nos antepara: mas quem está habituado a observar a vida interna das plantas e sabe como com a chuva aumentam as forças da planta e como as flores depois pouco a pouco se desenvolvem, vê o facto com olhos diferentes e sabe bem o que vê.»"

Eckermann, Conversações com Goethe, trad. Luís Silveira, Lisboa: Vega, s.d., p. 24. 

Sunday, May 13, 2018

COM OS CELESTES


"Estar assim sozinho com os Celestes, e, 
Se passa a luz e a tempestade e o vento, e
O tempo se apressa ao seu termo, ter perante eles 
                                             Um olhar firme, 

Nada de mais feliz sei ou desejo, enquanto
A mim também, como ao salgueiro, a torrente não leve, 
Que em boa guarda e a dormir eu tenha
                                              De andar nas vagas;

Mas gosta de ficar em casa quem no fiel
Peito mantém algo de divino, e livre eu quero, 
Enquanto puder, a vós todas, ó línguas do céu, 
                                              Entender e cantar."


Hölderlin, Poemas, trad. Paulo Quintela, Lisboa: Relógio D'Água, 1991, p. 191. 

Saturday, May 12, 2018

CLARIDADE



"Olha! o rude bicho do campo de bom grado
Te serve e em ti confia; o mudo bosque te diz, 
Como outrora, os seus oráculos; e a ti
                                      Ensinam os montes

Leis sagradas, e aquilo que ainda agora
A nós, tão experientes, o grande Pai manda
Manifestar-se, só tu no-lo podes anuncia
                                       Com claridade."

Hölderlin, Poemas, trad. Paulo Quintela, Lisboa: Relógio D'Água, 1991, p. 189. 

Thursday, May 10, 2018

MEANDRO



"sabes meu ícaro
não é verdade que desde sempre
tenha estado disposta a desenterrar
as minhas ideias uma a uma à colher
até esta paisagem mental ser um deserto
para melhor poder aplanar a aterragem 
do teu voo de belo efeito"

Tatiana Faia, Um Quarto em Atenas, Lisboa: Tinta-da-China, 2017, p. 63. 

Wednesday, May 9, 2018

TERRÍFICOS


"Ouvisse eu agora os que me avisaram, de mim sorririam e pensariam:
«Por nos recear, mais cedo este louco nas mãos nos caiu.»
E não considerariam isso um lucro...
...
Cantai, ó cantai-me, terríficos Deuses Fatais, a canção
Profetizando desgraça, sempre de novo ao ouvido.
Sou vosso por fim, bem o sei, mas quero antes disso
Pertencer a mim mesmo e conquistar vida e glória."

Hölderlin, Poemas, trad. Paulo Quintela, Lisboa: Relógio D'Água, 1991, p. 121.

Tuesday, May 8, 2018

AS MÃOS E OS FRUTOS




"para lá do cansaço, da anestesia, 
da banalidade suja dos dias
um fruto é da ordem do corpo
que os dedos gretados e envelhecidos
procuram por dentro da minha pele
atravessar a casca até conseguir 
arrancar o que tinha de ser subtraído

porque pretexto de umas quantas coisas este corpo
e protege a ideia de que viemos mesmo
para o espectáculo da nossa destruição
e não exigimos menos
do que olho por olho dente por dente"


Tatiana Faia, Um Quarto em Atenas, Lisboa: Tinta-da-China, 2017, p. 17. 

Monday, May 7, 2018

ÜBERMENSCHLICHKEIT



"O palais de justice das criadas de quarto
Coroa o horizonte com as suas colunatas. 

Se eu tivesse perdido em Übermenshlichkeit,
Talvez o estado deprimido cedo se endireitasse.

Pois, no fundo, os ditos grandiosos dos soberanos
Fazem mais tortos os defeitos das coisas humanas."


Wallace Stevens, Harmónio, trad. Jorge Fazenda Lourenço, Lisboa: Relógio D'Água, 2006. p. 241.

Sunday, May 6, 2018

O SANTO ÍCONE



"A despeito do meu desejo
de contrição e alegria, 
amanheci rancorosa, 
reagindo a cabeça
à cata de um facão.
O cachorro percebeu, 
a criança também, 
se escondendo de mim
no colo de sua mãe. 
Havia dito
por que não me atendes, Deus?
Ou alguém rezava para mim?
Me olhando da parede
a Virgem Nossa Senhora
me oferecia o seu menino
à lâmina. 
Eu que delirava à noite
em tempo mais-que-perfeito
porque Portugal fizera
O Tratado de Tordesilhas, 
me rindo muito de abóboras, 
da palavra e da coisa, 
parei desafadigada
de que todas elas
não se chamassem caçambas. 
Como o louco que de repente
dispensa enfermeiro e pílulas, 
cortei canas com o facão
e fiquei chupando na sombra."


Adélia Prado, "Oráculos de Maio", in Com Licença Poética - Antologia, org. Abel Barros Baptista, Lisboa: Cotovia, 2003, pp. 121-122. 

Saturday, May 5, 2018

EM CASA


"Em casa faço aquilo que inda sei fazer:
Largar as águas em em seguida a jarra de encher;
Mas não há toalha e fica a água derramada. 

Não é tarefa de homem isso, me diz ela, 
E eu sinto-me sem jeito e até mo levo a mal, 
Ao ver pagar co'as maravilhas da panela
O modo aselha que é o meu habitual. 

E não me canso de louvar a Quem se alarga
Em luz do mundo, em artes e em saber:

Sempre que a malga das papas ela me traga, 
E eu veja as pontas dos dedos dela a fender, 

sinto uma mesma, uma única adoração
por Bach, o Sol e Kant e os calos dessa mão."


J. A. Dèr Mouw, "Sou Bramanista. Mas estamos sem criada", in Uma Migalha na Saia do Universo - antologia da Poesia Neerlandesa do Século XX, seleç. Gerrit Komrij, trad. Fernando Venâncio, Lisboa: Assírio & Alvim, 1996, p. 29. 

Thursday, May 3, 2018

RUMO


"Gostava da vista sobre o rio. Gostava dos ruídos do jardim botânico, da luminosidade. Sobretudo gostava da luminosidade de Lisboa. Mas era uma luminosidade breve, os primos casaram, e os amigos e as namoradas passaram. Sentia-me cada vez mais aprisionado no tumulto da cidade. Tenho medo da clausura. Onde não há espaço não há rumo. Às vezes sonhava acordado com um milagre. Três vezes louvada sejais. Que milagre, santo Deus do céu, eu não fazia a mínima ideia. Deveria estar lá longe, algures, atrás dos montes."

Gerrit Komrij, Atrás dos Montes, trad. Patrícia Couto, Porto: Asa, 1997, p. 48. 

Wednesday, May 2, 2018

VENTANA


"Ele estava novamente em frente à janela da sala de estar. Era a luz exterior que o atraía e atiçava a sua curiosidade. Queria saber como é que tudo era repartido e relacionado, uma curiosidade que era misturada com uma perplexidade que em nenhum aspecto tinha sido apaziguado. Centenas de impressões fervilhavam na cabeça, mas do conjunto pouco sabia. Continuava a navegar num navio que lhe era estranho, por um oceano desconhecido."

Gerrit Komrij, Atrás dos Montes, trad. Patrícia Couto, Porto: Asa, 1997, p. 51. 

Tuesday, May 1, 2018

OUVIR


"Os chorões de seda como linhas de fumo, no rio sinuoso, 
       as águas frias do vale evaporando-se com o calor do dia.
A luz da Primavera tecendo estranhos rendilhados nos caminhos, 
       posso ouvir música capaz de enternecer as nuvens."

Poemas de Wang Wei, trad. António Graça de Abreu, Macau: Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 44.