Thursday, September 30, 2010
BALANÇO MENSAL 09
Tuesday, September 28, 2010
PARA A MENINA JUDITH
"O coração da mulher é alto
Mas nem só por isso a mulher oscila
Ela é como o navio mercante
Que chega carregado de grão
A mulher é o tear dentro da vida
Nem só por isso a mulher é mais que a vida
Ela é como o navio mercante
Que chega carregado de grão."
Daniel Faria, "Homens Que São Como Lugares Mal Situados", in Poesia, ed. Vera Vouga, 3ª ed., Vila Nova de Famalicão: Quasi Edições, 2009, p. 160.
Sunday, September 26, 2010
DA FALTA E DA ABUNDÂNCIA
" Numa coisa que apodrece
-tomemos um exemplo velho:
uma pêra -
o tempo
não escorre nem grita,
antes
se afunda em seu próprio abismo,
se perde
em sua própria vertigem,
mas tão sem velocidade
que em lugar de virar luz vira
escuridão:
o apodrecer de uma coisa
de fato é a fabricação
de uma noite:
seja essa coisa
uma pêra num prato seja
um rio num bairro operário"
Ferreira Gullar, Poema Sujo, Lisboa: Ulisseia, 2010, pp. 29-30 [sem a configuração original dos versos]
Thursday, September 23, 2010
PRÉ-ROMANTISMO NOBRIANO
"Larguei a voz então aos surdos ventos,
Que nas cavernas ásperas, com brados,
Convocavam os sustos macilentos;
Aos soltos ais, nos montes espalhados,
Não respondem os seres sonolentos,
Que não há quem responda aos desgraçados."
Marquesa de Alorna (D. Leonor de Almeida Portugal Lorena e Lencastre), in Poetas Pré-Românticos, selec. Jacinto do Prado Coelho, 2ª ed., Coimbra: Atlântida, 1970, p. 68.
Wednesday, September 22, 2010
VEREDAS 2
"What time the mighty moon was gathering light
Love paced the thymy plots of Paradise,
And all about him roll'd his lustrous eyes;
When, turning round a cassia, full in view
Death, walking all alone beneath a yew,
And talking to himself, first met his sight:
"You must begone," said Death, "these walks are mine."
Love wept and spread his sheeny vans for flight;
Thou art the shadow of life, and as the tree
Stands in the sun and shadows all beneath,
So in the light of great eternity
Life eminent creates the shadows all beneath,
So in the light of great eternity
Life eminent creates the shade of death;
The shadow passeth when the trees shall fall,
But I shall reign for ever and over all."
Alfred Lord Tennyson, The Poems (1830-1865), London: Cassel and Company, 1907, pp. 33-34.
Tuesday, September 21, 2010
DAS PROMESSAS CAVALEIRESCAS
Thomas Malory, A Morte de Artur, vol. II, trad. José Domingos Morais, Lisboa: Assírio & Alvim, 1992, p. 103.
Monday, September 20, 2010
O CÉU NOS SEJA LOUVADO POR ASSIM NOS DAR TEMPO PARA RESPIRAR
Sunday, September 19, 2010
PARAÍSO
"Enquanto o nosso coração voraz
bate a descompasso com o da Terra,
Não queremos ripostar demais à guerra,
fugimos de apostar demais na paz.
Compêndios de nojo, actas de festa,
são escrita tremida para nós,
mas não se lembrem autores de erguer a voz
a dizer o que purga e o que molesta.
Só a voz do sangue ouvimos bem
quando ao leme do ventre almareámos;
fomos inocentes, já nos naufragámos,
corpos de delito, almas de refém."
Luiza Neto Jorge, A Lume, Lisboa: Assírio & Alvim, 1989, p. 31.
Saturday, September 18, 2010
VEREDAS 1
"Quão diferentemente Deus reparte, Irmão, cos homens as inclinações! Ditoso, ao que couber a melhor parte. Quantas cabeças, tantas condições, Quantas condições, tantos apetitos, E quais os apetites tais tenções. Irás achar num homem tais espritos, Que outra cousa mor qu'homem te pareça Nas obras, nos intentos, e nos ditos. Com outro irás topar, que nem mereça O nome de homem, antes ele só Dirás qu'outros homens escureça. E de quais sobre todos eu hei dó, São destes, que não crem,nem lhes parece Que foram, como nós, feitos de pó. Homens há ahi, que cuida que merece A Deus ser imortal, e um só no Mundo: Este dirás que a si, e a Deus conhece? Outro de vil, e baixo no mais fundo Da terra anda metido, então dirá Quem nem quer ser primeiro, nem segundo. Quem tanto engano desenganará? Quem por exemplo claro, ou por figura, A luz a olhos tão cegos mostrará?"
António Ferreira, "Carta VII a Garcia Góis Ferreira seu irmão", in Poemas Lusitanos, 3ª ed., vol. II, Lisboa: Sá da Costa, 1971, pp. 64-65.
Friday, September 17, 2010
À MEMÓRIA DA MORTE E DO INFERNO
"Urnas plebeyas, túmulos reales
penetrad sin temor, memorias mías,
por donde ya el verdugo de los días
con igual pie dio pasos desiguales.
Revolved tantas señas de mortales,
desnudos huesos y cenizas frías,
a pesar de las vanas, si no pías,
caras preservaciones orientales.
Bajad luego al abismo, en cuyos senos
blasfeman almas, y en su prisión fuerte
hierros se escuchan siempre, y llanto eterno,
si quéreis, oh memorias, por lo menos
con la muerte libraros de la muerte,
y el infierno vencer con el infierno."
Luis de Góngora, Sonetos Completos, Madrid: Editorial Castalia, 1969, p. 231.
Thursday, September 16, 2010
DA AUTODESTRUTIVIDADE
Wednesday, September 15, 2010
PHOBOS, DEIMOS
"Todo o lugar é fresco. Agitam-se as árvores grandes
de verão ao rés do olhar quando acordamos
e tufozinhos de heras a arrastar-se
a menos que tenham sido puxados - quais lembranças
que há tanto sacas e podem mostrar agora a face
e manter as distâncias. Depressão de boca branca
que nada para fora da sombra como um golfinho
de olhos húmidos, ilegíveis, não furtivos.
Nado em Homero. No Livro vinte e três.
Por fim, Penélope e Odisseus
acordam juntos. Coluna do leito pode ser
o tronco vivo de uma antiga oliveira
e é segredo deles. Como o nosso podia ter sido hera,
sempre verde, fremente e por dizer."
Seamus Heaney, "Seeing Things", in Antologia Poética, trad. Vasco Graça Moura, Porto: Campo das Letras, 1998, p. 133.
Tuesday, September 14, 2010
BURSTING AT THE END LIKE DAMS
"No dia do veneno, aos seus amigos,
Sócrates disse ter estado a escrever:
a pôr em verso fábulas de Esopo.
Isto, não porque amasse a sabedoria
e advogasse a vida examinada.
A razão foi que ele tivera um sonho.
César, ou Herodes, ou Constantino
ou qualquer conta de reis shakespeareanos
rebentando por fim como barragens
de panoramas originais submersos
a reerguer antes das cenas da morte -
pode crer-se nos seus crédulos sonhos.
Mas Sócrates, bem menos. Ou seja, até
dizer aos amigos que o sonho recorrera
por toda a sua vida, a repetir uma instrução:
Exerce a arte, arte que até então
julgou sempre que era a filosofia.
Feliz o homem, pois, com dotes naturais
para dar-se à que está certa desde o início -
a poesia, digamos, ou a pesca;
as suas noites são sem sonhos; os seus
panoramas afundados levantam-se
e passam como a luz do dia
pela argola da cana ou o olho do aparo."
Seamus Heaney, "The Haw Lantern", in Antologia Poética, trad. Vasco Graça Moura, Porto: Campo das Letras, 1998, pp. 115; 117.
Monday, September 13, 2010
EM SONHOS
"Em sonhos veio uma censura ferir-me o coração, ferir-me o fígado, como um aguilhão que o cocheiro empunha pelo meio. E eu sinto que me invade um frio grande, um frio enorme, sob o chicote do terrível, público algoz."
Ésquilo, Euménides, trad. Manuel de Oliveira Pulquério, Lisboa: Ed. 70, 1991, p. 192.
Saturday, September 11, 2010
ONDE REINA O TERROR
Konrad Lorenz, A Agressão - Uma História Natural do Mal, trad. Isabel Tamen, Lisboa: Relógio D'Água Editores, 2001, p. 15.
Thursday, September 9, 2010
AUTOCRIATIVIDADE
Nuno Júdice, ABC da Crítica, Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2010, pp. 71-72.
Wednesday, September 8, 2010
... Y DETERMINA QUE PREVALEZCA LA RAZÓN CONTRA EL GUSTO
"Al que ingrato me deja, busco amante;
al que amante me sigue, dejo ingrata;
constante adoro a quien mi amor maltrata;
maltrato a quien mi amor busca constante.
Al que trato de amor, hallo diamante,
y soy diamante al que de amor me trata;
triunfante quiero ver al que me mata,
y mato al que me quiere ver triunfante.
Si a éste pago, padece mi deseo;
si ruego a aquél, mi pundonor enojo:
de entrambos modos infeliz me veo.
Pero yo, por mejor partido, escojo
de quien no quiero, ser violento empleo,
que, de quien no me quiere, vil despojo."
Sor Juana Inés de la Cruz, Poesía Lírica/El Divino Narciso, Barcelona: Edicomunicación, 1994, p. 77.
Tuesday, September 7, 2010
ESCOGE ANTES EL MORIR QUE EXPONERSE A LOS ULTRAJES DE LA VEJEZ
"Miró Celia una rosa que en el prado
ostentaba feliz la pompa vana
y con afeites de carmín e grana
bañaba alegre el rostro delicado;
y dijo: - Goza, sin temor del Hado,
el curso breve de tu edad lozana,
pues no podrá la muerte de mañana
quitarte lo que hubieres hoy gozado;
y aunque llega la muerte presurosa
y tu fragante vida se te aleja,
no sientas el morir tan bella y moza:
mira que la experiencia te aconseja
que es la fortuna morirte siendo hermosa
y no ver ele ultraje de ser vieja."
Sor Juana Inés de la Cruz, Poesía Lírica/El Divino Narciso, Barcelona: Edicomunicación, 1994, p. 73.
Monday, September 6, 2010
TAKE ME AWAY FROM ALL THIS DEATH (COM HOMENAGEM A CASPAR DAVID FRIEDRICH)
"Sente-se a gente bem quando alguém chora.
Ouvindo soluçar a dor alheia,
A dor que as nossas almas alanceia
Dá-nos tréguas, apaga-se, minora.
Por isso eu vou às vezes pensativo
Escutar esses lúgubres lamentos
Que, inconsolável, bárbaro cativo,
O mar rouqueja esguedelhado aos ventos.
E o choro largo, lento e lamentoso
Dos meus desejos desgrenhados, loucos,
Vai-se calando, adormecendo aos poucos,
Ao soluçar do eterno desditoso.
Sim! a minh' alma cala-se e adormece
Olhando as vagas - corações a arfar -
- Não que me punja, não que me atravesse
O peito a dor intérmina do mar;
Mas porque, quando a Dor nos cinge ao colo,
Por um egoísmo lúgubre, altaneiro,
Sentimos sempre um íntimo consolo
Em acharmos na Dor um companheiro.
Ora uma vez que a Mágoa me açoutava
Como o vento do norte os arvoredos,
- Morria o sol, a escuridão tombava -
Fui-me assentar na crista dos rochedos.
O mar rugia indómito e selvagem
E o meu olhar errava distraído
Por sobre aquele espelho indefinido
Em que a minh' alma via a sua imagem.
E perguntei ao mar em cujo fundo
Se arrasam e se geram continentes,
Onde há riquezas de assombrar o mundo,
Porque chorava, rei dos Descontentes.
- «O que desejas mais? O que te faz
Andar chorando?» - E o mar em voz convulsa:
-«É que há em mim um coração que pulsa
E nada o coração nos satisfaz.» -
Rodrigo Solano, Fumo, ed. act., Penafiel: Câmara Municipal de Penafiel, 2010, pp. 70-71.
Sunday, September 5, 2010
ENSINAMENTOS ÉTICO-MORAIS
Thomas Malory, A Morte de Artur, vol. I, trad. José Domingos Morais, 2ª ed., Lisboa: Assírio & Alvim, 1993, p. 50.
Friday, September 3, 2010
DAS IRREDUTÍVEIS VOZES
"Uma multidão de que te alheias.
Vozes sobrepostas
destroem o sentido
e a tua inclinação por ideias de ordem
desvia-te para um lugar escuro, silente
(assim o pressentes),
uma sala do lado esquerdo,
ao fundo, onde ninguém está.
Em rigor há uma luz dispersa.
uma atmosfera de encanto e morte.
Um espelho espreita.
Os circunstantes degladiando-se
num arremesso de vozes.
Estão nele, são espreitados.
Sonhas a armadilha que o voluntário
espelho revela. O tempo
suspende-se
sob o efeito de um sortilégio.
Nessa sala onde a obscuridade
não é total (os olhos vêem mais
depois da atenção),
a multidão a teu lado, sitiando-te,
é engolida pela perseguição
geométrica.
Antecedes o momento
em que o mundo acaba
e uma fúria de vitorioso esquecimento
apaga os despojos
das irredutíveis vozes
e a imagem do teu rosto
perseguindo o jogo perseguidor."
Luís Quintais, Duelo, Lisboa: Edições Cotovia, 2004, pp. 30-31.
Thursday, September 2, 2010
ASSIM EM SUAS MÃOS
"Assim em suas mãos nos troca a vida
E quem já nem em sonhos conhecemos
Longe se perde nos confins extremos
Da grande madrugada prometida
Assim em suas mãos nos troca a vida."
Sophia de Mello Breyner Andresen, "Mar Novo", in Obra Poética I, Lisboa: Editorial Caminho, 1992, p. 297.
Wednesday, September 1, 2010
SETEMBRO, CARA DE POUCOS AMIGOS E MANHÃ DE FIGOS
"o jornalista
repara no mar que ali
se faz contra tudo (conta
tudo)
documento
reaberto não sei em que linha
texto em cima do
joelho apontado ao mar
ela diz: estou mesmo infeliz desde aqui
quem se lembraria de escurecer agora
que todos os risos explodem dentro dele
ela entorna o galão no jornal de sábado
felizmente nas páginas que já leu
no Jardim da Parada
o template do telemóvel mudou
para o desenho e cores do Outono
é dia 1 de Setembro
(uma manhã estranha como Camilo Pessanha)
repara na forma desajustada deste
poema cheio de adjectivação
impublicável calenda
sobre a qual os pássaros
ainda teimam alheios ao You Tube
ela recuou em transumância ao mês passado
para fumar outra vez contra o
grande
silêncio entrecortado pelo
bater do sino
o sinal horário
devolveu-lhe a clara substância pura
do sol de Agosto
dando no renque seco
dos carvalhos
pés sobre a terra
mãos aproximando-se do princípio
celestial das
roseiras"
Miguel-Manso, Contra A Manhã Burra [cortado], 2ª ed., Lisboa: Mariposa Azual, 2009, pp. 66-67.