Saturday, September 18, 2010

VEREDAS 1

 

"Quão diferentemente Deus reparte, Irmão, cos homens as inclinações! Ditoso, ao que couber a melhor parte. Quantas cabeças, tantas condições, Quantas condições, tantos apetitos, E quais os apetites tais tenções. Irás achar num homem tais espritos, Que outra cousa mor qu'homem te pareça Nas obras, nos intentos, e nos ditos. Com outro irás topar, que nem mereça O nome de homem, antes ele só Dirás qu'outros homens escureça. E de quais sobre todos eu hei dó, São destes, que não crem,nem lhes parece Que foram, como nós, feitos de pó. Homens há ahi, que cuida que merece A Deus ser imortal, e um só no Mundo: Este dirás que a si, e a Deus conhece? Outro de vil, e baixo no mais fundo Da terra anda metido, então dirá Quem nem quer ser primeiro, nem segundo. Quem tanto engano desenganará? Quem por exemplo claro, ou por figura, A luz a olhos tão cegos mostrará?" 


António Ferreira, "Carta VII a Garcia Góis Ferreira seu irmão", in Poemas Lusitanos, 3ª ed., vol. II, Lisboa: Sá da Costa, 1971, pp. 64-65.

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