"- É preciso ouvir os outros, o que os outros têm para nos dizer. Toda a minha vida tenho ouvido os outros, as suas queixas, as suas angústias, as suas falsas infelicidades, ou o que eles julgam que é o retrato da mais absoluta infelicidade. Ninguém presta atenção ao que os outros sentem, às vezes nem sequer ao que pensam. A mim pagam-me sobretudo para isso, para ouvir. Nem imaginas quantas vezes o meu trabalho se resume a isso. É quase como o divã do psicanalista: um lugar onde toda a gente, os homens que me frequentam, as mulheres que são as minhas colegas, se deita para se fazer ouvir. Ninguém espera de nós a solução de um problema, o consolo de um bom conselho, a conclusão feita da experiência. Todos nos querem usar como câmara de eco da sua completa solidão e ouvi-los é apenas estar ali como uma espécie de espelho que lhes devolve o movimento dos lábios, mas não o som que eles emitem. A vida é um filme mudo, às vezes a cores, mas mudo, irremediavelmente mudo."
António Mega Ferreira, A blusa romena, Lisboa: Sextante Editora, 2008, p. 212.
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