"A estupidez pode definir-se como a lentidão mental nas palavras e nos actos. Eis o perfil do estúpido. Acaba de fazer uma conta com pedrinhas e, quando chegou ao resultado, pergunta ao vizinho: « Quanto dá?» Tem de se defender num processo; na hora de se apresentar, esquece-se e abala para o campo. Está a assistir a uma peça de teatro: adormece e fica lá sozinho. Comeu demais; levanta-se de noite para ir à retrete e é mordido pelo cão do vizinho. Arruma por suas mãos qualquer coisa que acabou de receber, e depois anda à procura dela sem conseguir encontrá-la. Ao ser-lhe comunicada a morte de um amigo para ele poder ir ao funeral, toma um ar pesaroso, lágrima ao canto do olho, e sai-se com esta: «Deus lhe dê boa sorte!» É menino para, quando lhe pagam uma dívida, arranjar testemunhas. Em pleno Inverno, ralha com o criado por não lhe ter comprado pepinos. Obriga os filhos a praticarem luta ou atletismo até não poderem mais. No campo, é ele próprio quem faz a sopa; mas deita sal na panela duas vezes e põe-na intragável. Se chove, ele exclama «Que céu maravilhoso!», enquanto os outros acham que está negro como breu. Quando lhe perguntam: «Quantos funerais, nas tuas contas, saíram pela porta sagrada?» Ele responde: «Só os queria em dinheiro, para mim e para ti!»"
Teofrasto, Os Caracteres, trad. Maria de Fátima Silva, Lisboa: Relógio D'Água, 1999, p.64.