"- Concordo - disse - que este preconceito exista, que está muito espalhado, que é sincero no seu receio do mau-olhado e que não procure brincar com a simplicidade de uma pobre estrangeira; mas dê-me alguma razão física desta ideia supersticiosa, porque deve julgar-me como um ser inteiramente destituído de poesia, sou muito incrédula: o fantástico, o misterioso, o oculto, o inexplicável têm pouca influência em mim.- Não negará, miss Alicia - continuou o conde - o poder do olhar humano, que a luz do céu combina com o reflexo da alma; a pupila é uma lente que concentra os raios da vida e a electricidade intelectual que irradia por esta estreita abertura; o olhar de uma mulher não atravessa o coração mais duro? O olhar de um herói não magnetiza todo o Exército? O olhar do médico não domina o doido como um duche frio? O olhar de uma mãe não faz recuar os leões?- Advoga a sua causa com eloquência - respondeu "miss" Ward, sacudindo a linda cabeça. - Perdoe-me se me ficam dúvidas.- E o pássaro que, palpitando com horror e soltando pios lastimosos, desce do cimo de uma árvore, de onde poderia voar, para se lançar na goela de uma serpente que o fascina, obedece a um preconceito? Terá ouvido, nos ninhos, algumas comadres emplumadas a contarem histórias de jettatura?"
Theophile Gautier, "Jettatura", in A Morta Apaixonada, trad. Pedro Reis, Lisboa: Amigos do Livro Editores, s.d., pp. 154-155.
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